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História do engenheiro e deputado federal Rubens Paiva, que foi cassado, preso e morto pela ditadura militar, é representada no filme “Ainda Estou Aqui”, que concorre a três estatuetas do Oscar na noite deste domingo (2) e madrugada de segunda-feira (3). Rubens Paiva nasceu em Santos, no litoral de SP
Arquivo da família/BBC
O engenheiro e deputado federal Rubens Paiva, cassado, preso e morto pela ditadura militar, voltou a ser lembrado pelo filme “Ainda Estou Aqui”, que teve três indicações no Oscar: Melhor filme estrangeiro, melhor atriz e melhor filme, mas em Santos, onde nasceu, é diariamente lembrado. Ele assinou o projeto de dois edifícios na cidade, o ‘Portofino’ e o ‘Portovelho’.
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Estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, que interpreta Rubens Paiva, o primeiro filme original do Globoplay narra a história do desaparecimento do ex-deputado, sequestrado em 1971 por agentes da ditadura militar. A trama também acompanha a luta da viúva, Eunice Paiva, para criar seus cinco filhos e obter o reconhecimento oficial de que ele foi assassinado na prisão.
Nascido em Santos em 26 de dezembro de 1929, Rubens Paiva morou por alguns anos no bairro Boqueirão e estudou no antigo Colégio Santista, no bairro Vila Nova. Formado Engenharia Civil em 1954 em São Paulo, fundou a Paiva Construtora.
Entre os edifícios que fazem parte da história de Santos, destaca-se o Portofino, inaugurado em 1964 na esquina das avenidas Presidente Wilson e Senador Pinheiro Machado, próximo ao Canal 1, cuja responsabilidade técnica foi de Rubens Paiva.
Outro marco de Rubens Paiva na história de Santos é o edifício Portovelho, também projetado por ele, localizado na Avenida Presidente Wilson, no bairro Gonzaga.
Rubens Paiva não é lembrado apenas pelos seus projetos de edifícios. Em 1992, ele foi homenageado com o nome de um terminal urbano de integração de passageiros, no Valongo, o que ajudou a perpetuar o legado na cidade.
Terminal Urbano de Integração de Passageiros ‘Deputado Rubens Paiva’, no Valongo, em Santos
Câmara de Santos
Prédios modificados
O arquiteto Claudio Abdala afirmou ao g1 que os dois prédios foram muito descaracterizados, principalmente o edifício Portovelho que, de acordo com ele, “era uma elegância muito grande e teve uma interferência na fachada, que é de chorar”.
Abdala afirmou que retiraram todos os perfis verticais que existiam e mudaram a funcionalidade da fachada. “Descaracterizou o edifício, passou a ser uma coisa comum, sem grande valor, vamos dizer, porque foi desvalorizado por uma intervenção na fachada desrespeitosa”.
Edifícios Portovelho (à esq.) e Portofino (à dir.), em Santos, foram construídos pelo engenheiro Rubens Paiva
Câmara Municipal de Santos
Já no Portofino, Abdala disse que houve uma troca da caixilharia [conjunto de molduras, perfis e ferragens que compõem as janelas] – que gerava 100% de abertura e era de ótima qualidade. “Ao invés de recuperarem aquilo que funcionava muito bem”.
“Os edifícios continuam residenciais, continuam no mesmo lugar, o que tem acontecido é só a redução da qualidade do edifício, como, por exemplo, com criação de portarias, acessos, muros, grades e ‘coisaradas’ completamente desrespeitosas”, disse o arquiteto.
Apropriação afetiva
O professor de cinema, arquiteto e especialista em patrimônio César Bargo explicou ao g1 que as pessoas têm propensão afetiva com as edificações, o que também é chamado de pertencimento, mas, segundo ele, está em desuso por ser usada de forma exaustiva.
“O que faz você se apropriar afetivamente do espaço onde você mora? A história que você desenvolveu com aquele espaço. As paredes do seu quarto, os mistérios que se contam naquele seu quarto. A entrada do lobby da sua casa, enfim, você começa a colocar ali elementos de significado emocional, que vão fazendo com que quando você vá para longe, quando você volte, aquilo te remeta a um sentimento, bom ou ruim, mas é um sentimento que você atribuiu àquele espaço”, disse.
Para Bargo, os edifícios construídos por Paiva, em Santos, têm uma representação quase que icônica. “Ele representa uma obra e registro em vida de uma pessoa que tinha, como ser político, o interesse na democracia brasileira”.
Paiva ‘Ainda Está Aqui’
À esq., foto de família com Eunice, Rubens e Babiu (filha caçula) no Rio em 1970 (à dir., cena do filme)
Arquivo Pessoal de Vera Paiva/Divulgação
Bargo afirmou que as construções de Paiva estão perfeitamente alinhadas ao contexto de sua época e, muitas vezes, superam outras edificações. No entanto, destacou que não se tratam de prédios quaisquer, utilizando versos de Fernando Pessoa como metáfora para expressar a importância e a singularidade das obras.
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
O arquiteto relembrou que Paiva, como outros, não sobreviveu à ditadura. “E a gente esquece um pouco isso, né? Então é quase que uma bandeirinha esse prédio. Esse cara esteve aqui. […] Esse prédio está aqui, né? Ele ainda está aqui, ele ainda está dentro desse prédio porque ele tem um traço e um registro de alguém importante à história brasileira”.
‘Ainda Estou Aqui’
‘Ainda Estou Aqui’
Jornal Nacional/ Reprodução
“Ainda Estou Aqui” é a quinta produção brasileira a concorrer na categoria de melhor filme internacional. O longa também concorre nas categorias melhor atriz e melhor filme. Em entrevista ao Jornal Nacional, o diretor Walter Salles disse que vê a indicação como um reconhecimento que pode abrir portas para outros filmes brasileiros.
“Tem filmes que ganharam mais de dez indicações, que são os francos favoritos. Mas a gente, eu acho que a gente entra com a alegria de representar uma cultura da qual a gente se orgulha muito de fazer parte. E o cinema brasileiro, que inspirou a todos nós que fizemos o filme. A gente vem em uma sequência de filmes que a gente admira muito no cinema brasileiro, e eu tenho certeza que outros filmes seguirão”, disse o diretor Walter Salles.
‘Ainda Estou Aqui’ disputa Oscar com filmes internacionais neste domingo
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