
Beatriz Gaborggini, de Ribeirão Preto (SP), ressignificou esporte e luto ao cumprir 5k em homenagem a marido que foi atropelado por moto enquanto corria. Acidente aconteceu em novembro de 2022. Beatriz Garboggini de Ribeirão Preto, SP, começou a correr após a morte do marido
Arquivo Pessoal
“Brotou no meu coração a vontade de conhecer esse amor que ele tinha”. É assim que a educadora ambiental aposentada Beatriz Gaborggini, de 67 anos, conta como nasceu sua mais nova paixão: a corrida.
O marido dela, o biólogo Hamilton Garboggini, morreu em 2022, aos 55 anos, após ser atropelado por uma moto enquanto treinava. O acidente aconteceu em Parintins (AM), durante uma viagem a trabalho.
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Desde então, Beatriz transformou a dor da perda e passou a ressignificar luto e esporte. No dia 13 de abril, ela participou da primeira prova, em Ribeirão Preto (SP), e homenageou Hamilton ao cumprir os primeiros 5k da vida dela.
“O mais lindo foi eu voltar a acreditar em mim, acreditar que a idade, com certeza, não é um limitador. Eu saí da prova com a sensação de que isso não vai parar. A corrida me tirou do fundo do poço”.
Correndo sem fronteiras
Beatriz é natural de Ribeirão Preto, mas foi no Rio de Janeiro (RJ) que a aposentada e o marido carioca construíram a vida e criaram três filhas.
Fã de corrida, Hamilton se encontrou no esporte e treinava em qualquer lugar que visitasse, no Brasil e no exterior. Ele participou de provas na França, na Grécia e na Espanha e Beatriz costumava apoiar o marido em todos os momentos, sem se envolver, de fato, com a prática.
“Era um prazer que ele tinha [ao correr] que não dá pra acreditar. Ele podia estar muito cansado, ele corria e voltada inteiro, era uma coisa incrível. Eu não entendia muito bem o que acontecia com ele”.
Casal de Ribeirão Preto, SP, registrou a última viagem para Portugal em 2022
Arquivo Pessoal
A parceria era tanta que o marido, corredor, fazia questão de acompanhar a mulher nas caminhadas, que para ele serviam como aquecimento.
Dez anos mais velha que Hamilton, Beatriz conta que acreditava que não tinha mais tempo para começar a correr, ainda que ele insistisse a ela para experimentar.
Hamilton Garboggini morreu em um acidente em Parintins, AM
Arquivo Pessoal
Após a morte de Hamilton, a aposentada voltou para Ribeirão Preto para cuidar da mãe, que está com 92 anos, e decidiu investir em treinamento, como forma de manter viva a história do marido.
“Eu falei que queria muito correr, mas sabia que era tarde demais. Estava com 66 anos, não estava inteira, meu coração estava partido. Como ia correr assim?”
O recomeço
Decidida a dar uma chance ao esporte, Beatriz contratou uma assessoria especializada e passou a treinar três vezes por semana. O foco era completar os primeiros 5k.
Com a ajuda do grupo de corrida e a dedicação do treinador, ela conseguiu recuperar a confiança e se sentiu preparada para a prova.
“Ele foi me treinando, foi me desenvolvendo. Quando eu vi, estava correndo. A primeira vez que fui pra correr fora [na rua], achei que não ia dar conta, que uma moto ia ver e me pegar por trás”.
A primeira medalha veio no sábado passado após uma prova completa. Ao g1, Beatriz disse que finalizar o trajeto inteiro deu a ela a sensação de que a idade é apenas mais um detalhe e que, apesar de estar vivendo o momento mais difícil da vida, é possível realizar sonhos.
“É difícil explicar, eu fui tão confiante [pra prova], parece que o corpo te abraça. Eu sei que eu ainda estou vivendo o luto, eu sei que sim, passou um ano e meio, mas eu ainda sinto muita falta, muita saudade dele”.
Beatriz Gorboggini participou da sua primeira prova de corrida em Ribeirão Preto, SP
Arquivo Pessoal
Acidente, luto e vida nova
Hamilton trabalhava como coordenador de ações ambientais quando morreu. Na época do acidente, ele participava de um projeto com ribeirinhos em Parintins, na Amazônia, e teve de viajar para acompanhar uma ação de perto.
Ele embarcou para a viagem cinco dias após completar 55 anos. Três dias depois, foi atingido por trás por uma moto.
Hamilton Garboggini morreu em um acidente em Parintins, AM
Arquivo Pessoal
A última mensagem que Hamilton enviou à mulher, foi avisando que ia treinar. Era por volta das 18h.
“Ele disse que, apesar de cansado, estava muito contente com o trabalho que estava fazendo. Respondi a mensagem pedindo para ele dar notícias, mas isso nunca aconteceu”.
Naquele mesmo dia, Hamilton tinha uma reunião às 20h e não compareceu. Na manhã do dia seguinte, ainda sem notícias do marido, Beatriz percebeu que alguma coisa tinha acontecido.
“A primeira noite ele passou como indigente, estava sem documento nenhum. Quando acordei de manhã e vi que não tinha mensagem, liguei para o gerente dele, que é muito amigo nosso. Falei ‘vai no quarto dele agora'”.
Ao retornar a ligação, emocionado, o gerente deu a notícia à Beatriz de que Hamilton estava no hospital. Ele foi transferido para Manaus e a aposentada segiu para a capital amazonense com uma das filhas.
Cinco dias depois, a morte cerebral foi declarada.
Hamilton Garboggini com a neta em Ribeirão Preto, SP
Arquivo Pessoal
Hoje, quase dois anos após perder o marido, Beatriz começa, aos poucos, a se reconstruir. Após atingir o primeiro objetivo, de correr 5k, ela se sente ainda mais inspirada a continuar no esporte.
De viagem para o Canadá, alugou uma casa perto de um parque para manter os treinos. Para ela, a primeira prova de corrida e a primeira viagem sozinha mostram que é capaz de que pode muito mais e consegue ir sempre além.
“Nunca é tarde. Nunca é tarde pra nada. Com o luto, ia sentar e esperar o dia de encontrar o meu amor lá em cima. Agora não. A sensação é de que ninguém me segura”.
*Sob a supervisão de Flávia Santucci.
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