
Mareterra foi inaugurado em dezembro de 2024 e combina ecologia com beleza natural. Mareterra foi inaugurado no fim de 2014 e é o bairro mais novo do principado
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Era pouco mais de meio-dia em Mareterra, o bairro mais novo de Mônaco, e uma multidão se aglomerava no terraço de Marlow, o primeiro restaurante britânico de alta gastronomia do principado.
Ali perto, trabalhadores descansavam nos amplos degraus à beira-mar durante o horário de almoço. O Passeio do Príncipe Jacques, uma passarela de 800 metros que contorna todo o perímetro marítimo de Mareterra, estava repleto de pessoas se exercitando e pais empurrando carrinhos de bebê.
Parei para apreciar a vista sobre a imensidão azul do mar, em direção ao cabo arborizado de Roquebrune-Cap-Martin e, mais adiante, à Itália. A área se integrava tão perfeitamente à paisagem ao redor que era difícil lembrar que, há apenas seis meses, aquilo ainda era um canteiro de obras — e que oito anos atrás, onde eu estava parada, havia o mar Mediterrâneo.
Esse bairro, um projeto de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 12,8 bilhões na conversão atual), inaugurado em dezembro de 2024, é a resposta mais recente de Mônaco a uma pergunta que é feita há mais de 150 anos: como se expandir quando já não há mais espaço disponível?
O distrito de Mareterra está sendo construído em cima de gigantes câmaras de concreto
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Caminhando pelo calçadão, encontrei uma entrada discreta, quase escondida. Me abaixei para passar por uma porta que dava acesso a uma trilha, adentrando uma antecâmara escura de concreto.
Ali, outra porta se abria para o interior oco de um dos 18 caixotes gigantes, câmaras de 10 mil toneladas e 26 metros de altura que se assentam lado a lado como se fossem peças de Lego no fundo do mar. Sua função é dar forma à infraestrutura marítima do mais novo bairro.
No espaço escuro e sem luz, meus olhos demoraram um pouco para ver o que meus ouvidos reconheceram imediatamente: ondas quebrando contra um muro. Olhei por cima de uma grade que me separava do mar. O Mediterrâneo surgia como se chamasse minha atenção, enquanto a câmara de concreto permanecia silenciosa e imóvel, absorvendo o impacto das ondas.
O topo de cada caixote, conhecido como câmara Jarlan, fica acima da linha de flutuação para permitir o fluxo de água através de estreitas aberturas verticais no lado externo. O design foi projetado para atuar como um quebra-mar, absorvendo e dispersando a energia das ondas.
“Isso significa que, mesmo durante tempestades históricas, as ondas não subirão muito nem inundarão [Mareterra]”, disse Guy Thomas Levy-Soussan, diretor gerente da SAM L’Anse du Portier, a construtora de Mareterra, enquanto estávamos na Gruta Azul, como esse espaço é chamado em homenagem à Gruta Azul de Capri.
“Quando o sol brilha através das aberturas da câmara Jarlan pela manhã, o espaço adquire um tom ligeiramente azulado”, disse, explicando a escolha do nome.
A Gruta Azul não brilha como as quatro paredes adornadas com quartzo rosa pastel e lavanda lilás na sala vizinha de meditação e contemplação silenciosa, desenhada pela artista vietnamita Tia-Thủy Nguyễn.
Eu provavelmente me sentiria um pouco desconfortável por estar sozinha em um lugar escuro. Mas, rapidamente, o espaço se transformou em um dos lugares mais incomuns e discretos do principado mediterrâneo, atraindo um fluxo constante de pessoas como eu, curiosas para conhecer os bastidores da engenhosidade que envolve tomar terra do mar.
Construindo sobre o mar
A recuperação de terras não é nova em Mônaco — o segundo menor país do mundo depois do Vaticano —, onde moram 38 mil pessoas em um território de pouco mais de 22 km².
Embora uma grande parte da população seja milionária, ela continua vivendo no país mais densamente povoado do mundo.
Cercado pela França e sem espaço para crescer, Mônaco tem recorrido ao mar para lidar com a falta de território. Desde 1907, cerca de 25% de sua área foi conquistada ao mar, incluindo a zona de praia, Le Larvotto, o Porto Hércules — repleto de superiates — e o bairro de Fontvieielle, a oeste do Palácio do Príncipe de Mônaco.
Se Rainier 3º, que chegou ao poder em 1949, construiu a reputação de ser “o príncipe construtor”, seu filho, o atual soberano Albert 2º, continua a tradição. Em 2013, ele anunciou seus planos de recuperar seis hectares em frente à costa, perto de Larvotto, no extremo leste de Mônaco, batizando posteriormente a área de Mareterra para refletir sua conexão com o mar e a terra.
O bairro aumentou o território do principado em uns 3% e compreende dois blocos de apartamentos residenciais (incluindo um projetado pelo célebre arquiteto italiano Renzo Piano), dez vilas e quatro casas geminadas, uma pequena marina, 14 estabelecimentos comerciais e três hectares de espaço público.
Mareterra se encaixa como a peça que faltava em um quebra-cabeça do litoral monegasco. Fica ao lado do Fórum Grimaldi — um espaço de eventos que frequentemente recebe exposições itinerantes de arte e espetáculos — e do Jardim Japonês, plantado em 1994 com pinheiros mediterrâneos e oliveiras, segundo os princípios do design zen.
Ambos os locais puderam se expandir graças à ampliação.
Ecológico
Seguindo o compromisso do príncipe de alcançar a neutralidade de carbono no principado até 2050, Mareterra foi feito para ser o canto mais verde de Mônaco.
Nove mil metros quadrados de painéis solares, 200 estações de carregamento para veículos elétricos e 800 árvores estão entre as iniciativas ecológicas do bairro.
Logo na entrada da Gruta Azul, um vídeo de cinco minutos é reproduzido, mostrando como o projeto lidou com a inevitável perturbação marinha que esse tipo de construção provoca.
Os caixotes também desempenham um papel fundamental; relevos e ranhuras foram moldados em sua construção para estimular a colonização da flora e fauna marinhas.
Alguns segmentos chegaram a ser lixados à mão para adicionar textura. As câmaras de Jarlan têm uma vantagem adicional: recriam áreas rasas onde os peixes podem entrar e sair rapidamente.
O príncipe Albert e sua esposa, a princesa Charlene, na inauguração do novo bairro
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Contudo, o desafio mais sensível foi mudar de lugar 384 metros quadrados de Posidonia oceanica, um tipo de vegetação marinha nativa que desempenha um papel crucial no ecossistema do Mediterrâneo e é protegida pela legislação da União Europeia.
Por meio de uma técnica inovadora, uma máquina, parecida com a que tira árvores, foi adaptada para remover as plantas de Posidonia. Elas foram colocadas em cestos e replantadas a 200 metros de distância, na Área Marinha Protegida de Larvotto.
“Normalmente transportamos as plantas de Posidonia uma a uma”, explicou Sylvie Gobert, oceanóloga da Universidade de Liège, na Bélgica, que colaborou com o projeto. “O que foi realmente inovador é que nós levamos a Posidonia, junto com todo seu ecossistema radicular e aproximadamente um metro cúbico de sedimento.”
Harmonia
Assim como a Posidonia parece ter se acostumado com seu novo lugar, o mesmo aconteceu com Mônaco em Mareterra. Ao observar a área, notei a rapidez com que os tons suaves de azul e cinza do Le Renzo — o impressionante prédio residencial de Piano que se ergue como um guardião sobre a vizinhança — se tornaram algo familiar na paisagem.
Perto dali, Quatre Lances, uma escultura do artista americano Alexandre Calder, que foi comprada pela mãe do príncipe Albert, Grace Kelly, na década de 1960 e estava esquecida em um depósito, se tornou um ponto de encontro para as pessoas.
No meio da natureza, um pequeno caminho chamado La Pinède passa por um jardim rochoso com pinheiros-de-Alepo e pinheiros-mansos, as mesmas espécies que encontramos quando andamos por Provença.
Mareterra foi construído como o bairro mais ecológico do principado
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Evidentemente, essas não são as atrações pelas quais Mônaco é famoso. A área foi pensada para os moradores locais, com apenas algumas lojas e restaurantes, ainda que os turistas venham a aproveitar seus jardins tranquilos, a vista para o mar e a engenhosidade que tornou possível a construção de Mareterra.
Apesar de suas ambições ecológicas, Mareterra deixa dúvidas sobre sua real necessidade. Ainda que se apresente como uma solução para os problemas de habitação no país, especula-se que os preços dos imóveis comecem em 100 mil euros (cerca de R$ 645 mil na conversão atual) por metro quadrado, o que torna a região uma das áreas residenciais mais caras do mundo.
Além disso, nenhuma das novas residências foi reservada para os monegascos, que são quase 10 mil e têm direito à habitação social.
No entanto, em Mônaco, há confiança de que Mareterra não é o fim da sua história de crescimento.
“Para o príncipe Albert, se não tem construção, o país está parado”, declarou Nancy Heslin, cofundadora de Carob Tree Publishing, a primeira editora monegasca composta exclusivamente por mulheres, que já entrevistou o príncipe em várias ocasiões.
“O país sempre buscará expandir seu território”, afirmou.
“Enquanto houver o desejo e as condições para expandir nos limites do possível, tanto em escala tecnológica quanto ecológica, o principado será um exemplo a ser seguido por outras cidades costeiras, como laboratório desse tipo de inovação” disse Levy-Soussan.
“Mônaco é um país pequeno que tem feito coisas extraordinárias.”
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