
Almir Garnier é o terceiro dos oito réus do chamado ‘núcleo crucial’ do golpe a prestar depoimento. Jair Bolsonaro deve ser ouvido ainda nesta semana. O ex-comandante da Marinha brigadeiro Almir Garnier Santos se emocionou, durante depoimento à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (10), ao explicar por que deixou o cargo no fim de 2022 sem transmitir o comando a seu sucessor.
Questionado sobre a ausência pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista, Garnier disse que, em dezembro de 2022, após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições, os chefes das três Forças Armadas haviam decidido entregar os cargos antes da virada do ano.
“Hierarquia, disciplina, honra e palavra são palavras muito caras aos marinheiros. […] Logo após o segundo turno, o presidente nos chamou e nos pediu para preparar a passagem de função. E houve, naquele momento, uma combinação nossa de que as três forças passariam o comando antes que se encerrasse o mandato de Jair Bolsonaro”, disse Garnier.
As datas foram agendadas para o fim de dezembro. Mas, segundo Garnier, o novo comandante escolhido por Lula, almirante Marcos Sampaio Olsen, pediu para assumir o posto apenas após a posse de Lula, já com José Múcio Monteiro à frente do Ministério da Defesa.
“Eu entendi a posição dele, não queria criar embaraços ao novo comandante para que ele fizesse a cerimônia da forma como lhe aprouvesse. Mas disse que tinha compromisso com o ministério ao qual eu pertenci. E que, por esta razão, eu não estaria presente.
“Confesso ao senhor, não foi com alegria que eu disse isso a ele. Nós temos cerimônias, tradições. Um comandante da Marinha, quando se despede, tem direito a salva de canhões, desembarque de lancha, e eu não tive nada disso.”
“Eu havia programado toda a cerimônia no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, não era aqui em Brasília. Eu comecei a minha carreira na Marinha aos 10 anos, na Escola de Aprendizes e Operários. E eu queria, depois de 52 anos na Marinha, me despedir lá”, emendou, com a voz embargada.
“Porém, fiz toda a passagem de comando institucional, passei todo o serviço ao almirante Olsen e à sua equipe. Mas à cerimônia, que é um ato bacana, interessante, mas é simbólico, eu não fui em respeito ao acordo.”
Garnier nega ‘minuta golpista’ e ‘tropas à disposição’
Ao longo do depoimento nesta terça, Garnier negou que tenha discutido ‘minuta golpista’ em reunões com Jair Bolsonaro, e que tenha colocado as tropas que comandava “à disposição de Bolsonaro” para uma ruptura democrática.
A acusação foi feita, ao longo da investigação, pelo ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior.
“Senhor ministro, como lhe disse, não houve deliberações, o presidente não abriu a palavra para nós. Ele fez as considerações dele, expressou o que pareciam pra mim mais preocupações e análises de possibilidades do que propriamente uma ideia ou intenção de conduzir alguma coisa em em alguma direção”, disse Garnier.
“Eu era comandante da Marinha, eu não era assessor político do presidente. E eu me ative ao meu papel institucional”, afirmou também o militar.
Almir Garnier nega ter colocado tropas ‘à disposição’ do golpe
Em que fase está o julgamento?
Os depoimentos marcam a reta final da instrução processual — fase em que são reunidas provas para embasar o julgamento. É nesse momento que os réus têm a chance de responder às acusações e apresentar suas versões dos fatos.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo integra o “núcleo crucial” da organização criminosa que atuou para tentar romper a ordem democrática. Entre os réus está o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Concluída a fase de interrogatórios, o processo segue para uma etapa de diligências, caso sejam solicitadas por defesa ou acusação. Depois, será aberto o prazo de 15 dias para apresentação das alegações finais, antes de o caso ser levado a julgamento na Primeira Turma do STF.
Ex-comandante da Marinha Almir Garnier em depoimento ao STF
TV Justiça/Reprodução
Primeiro dia de depoimentos
O interrogatório começou com Mauro Cid, que fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. Ele confirmou a veracidade da denúncia da PGR e declarou: “Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles”.
Cid negou ter sido coagido e reafirmou o conteúdo de seus depoimentos anteriores. Segundo ele, Bolsonaro teve acesso e sugeriu mudanças à chamada “minuta do golpe” — documento com medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições de 2022.
Ainda de acordo com o militar, Bolsonaro pediu a retirada do trecho que previa a prisão de autoridades, mas manteve o item que determinava a detenção do ministro Alexandre de Moraes. Cid também afirmou que o então presidente pressionou o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, por um relatório crítico às urnas eletrônicas.
Questionado por Moraes, Cid confirmou que Bolsonaro queria um texto “duro” contra o sistema de votação.
O segundo a ser ouvido foi o deputado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Ele disse que o documento em que questiona o resultado das eleições era apenas um rascunho pessoal e não foi entregue a Bolsonaro. Também negou envolvimento na disseminação de desinformação e rechaçou ter usado a Abin para monitorar autoridades:
“Decerto que não fiz monitoramento de autoridades”, afirmou.
Em interrogatório, Mauro Cid afirma que Bolsonaro recebeu, leu e alterou a chamada minuta do golpe
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Reta final
A fase de instrução é destinada à coleta de provas. Durante o mês de maio, o STF ouviu testemunhas de defesa e acusação. Agora, os réus têm a palavra.
Neste momento, os acusados ainda não foram condenados nem absolvidos. Isso só ocorre após o julgamento. A defesa pode permanecer em silêncio — direito garantido por lei, sem prejuízo ao processo.
Participantes da audiência
Conduz as sessões o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele faz as primeiras perguntas aos réus, seguido pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e, depois, pelos advogados de todos os acusados.
As perguntas do Ministério Público e da defesa são intermediadas por Moraes, conforme prevê o Código de Processo Penal.
Ordem dos depoimentos
Mauro Cid abriu a rodada de interrogatórios por ser delator. Os demais réus são ouvidos em ordem alfabética. Também já prestou depoimento Alexandre Ramagem. Ainda devem ser ouvidos:
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional
Jair Bolsonaro, ex-presidente
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro
Walter Braga Netto, ex-ministro do governo Bolsonaro e candidato a vice na chapa para a reeleição do ex-presidente.
Próximos passos
Encerrados os interrogatórios, defesa e acusação poderão solicitar diligências complementares. Em seguida, será aberto o prazo de 15 dias para as alegações finais — documento em que as partes resumem suas teses e apresentam argumentos pela condenação ou absolvição.
Depois disso, o processo poderá ser pautado para julgamento na Primeira Turma do STF. O colegiado decidirá o destino dos réus: condenação (com fixação das penas) ou absolvição (com arquivamento). Ambas as decisões são passíveis de recurso dentro do próprio Supremo.