Cada candidato pode acessar o ‘espelho’ do texto que entregou no dia da prova (ou seja, a vers\u00e3o digitalizada da disserta\u00e7\u00e3o). Inep libera a chamada ‘vista pedag\u00f3gica’ para detalhar a nota dos alunos e auxili\u00e1-los nos estudos. Os candidatos do Exame Nacional do Ensino M\u00e9dio (Enem) 2023 j\u00e1 podem consultar, na P\u00e1gina do Participante, o “espelho” da reda\u00e7\u00e3o \u2014 ou seja, a vers\u00e3o digitalizada do texto que entregaram no dia da prova.
\nNesta reportagem, leia exemplos de quem alcan\u00e7ou nota mil e aproveite para se inspirar. Os temas mudam a cada ano, mas a estrutura (introdu\u00e7\u00e3o, desenvolvimento e conclus\u00e3o com proposta de interven\u00e7\u00e3o) exigida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An\u00edsio Teixeira (Inep) e os crit\u00e9rios de corre\u00e7\u00e3o continuam os mesmos.
\nEm 2022, os candidatos tiveram de escrever sobre:
\n‘Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil’
\ne “Desafios para a (re)inser\u00e7\u00e3o socioecon\u00f4mica da popula\u00e7\u00e3o em situa\u00e7\u00e3o de rua no Brasil” (reaplica\u00e7\u00e3o da prova em dezembro, para pessoas privadas de liberdade e para quem ficou sem luz ou foi afetado por algum problema log\u00edstico na data original).
\n\u26a0\ufe0fObserva\u00e7\u00e3o: as transcri\u00e7\u00f5es abaixo foram fi\u00e9is aos textos dos alunos, incluindo poss\u00edveis erros de portugu\u00eas.
\n\u270f\ufe0fMaria Luiza Januzzi, de Valen\u00e7a (RJ)
\nTrecho de reda\u00e7\u00e3o nota mil de Maria Luiza Jannuzzi no Enem 2023
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Inep
\nDe acordo com a pensadora brasileira Djamila Ribeiro, o primeiro passo a ser tomado para solucionar uma quest\u00e3o \u00e9 tir\u00e1-la da invisibilidade. Por\u00e9m, no contexto atual do Brasil, as mulheres enfrentam diversos desafios para que seu trabalho de cuidado seja reconhecido, gerando graves impactos em suas vidas, como a falta de destaque. Nesse sentido, essa problem\u00e1tica ocorre em virtude da omiss\u00e3o governamental e da influ\u00eancia midi\u00e1tica.
\nDessa forma, em primeiro plano, \u00e9 preciso atentar para o descaso estatal em rela\u00e7\u00e3o aos obst\u00e1culos enfrentados diariamente por mulheres que trabalham como cuidadoras. Segundo John Locke, \u201cas leis fizeram-se para os homens e n\u00e3o para as leis\u201d. No entanto, a in\u00e9rcia governamental direcionada \u00e0 tais pessoas n\u00e3o cumpre com o previsto na Carta Magna, visto que a falta de investimento em pol\u00edticas p\u00fablicas causa dificuldades no \u00e2mbito profissional deste setor – como a desvaloriza\u00e7\u00e3o salarial. Isso contribui para que suas necessidades sejam cada vez mais negligenciadas.
\nAl\u00e9m disso, a influ\u00eancia dos meios digitais \u00e9 um fator agravante no que tange ao problema. Para Chimamanda Adichie, mudar o \u201cstatus quo\u201d – o estado atual das coisas – \u00e9 sempre penoso. Essa conjuntura pode ser observada no papel que a m\u00eddia possui na luta di\u00e1ria de mulheres que exercem o trabalho do cuidado ou dom\u00e9stico, uma vez que ela auxilia no fortalecimento de uma mentalidade social machista no pa\u00eds. Isso ocasionou o silenciamento da popula\u00e7\u00e3o feminina, enraizando a l\u00f3gica do patriarcado na sociedade. Diante do exposto, as mulheres perdem a voz na busca por direitos profissionais na \u00e1rea de cuidado, ao ser propagada a ideia de que essa fun\u00e7\u00e3o \u00e9 sua, e somente sua, obriga\u00e7\u00e3o.
\nPortanto, \u00e9 necess\u00e1rio que esta situa\u00e7\u00e3o seja dissolvida. Para isso, o governo, \u00f3rg\u00e3o respons\u00e1vel por garantir a condi\u00e7\u00e3o e exist\u00eancia de todos, deve prover apoio psicol\u00f3gico e financeiro \u00e0s cuidadoras, por meio de investimentos e pelo exerc\u00edcio das leis, a fim de sanar a vulnerabilidade socioecon\u00f4mica existente no cotidiano desses grupos. Paralelamente, os meios de comunica\u00e7\u00e3o precisam combater a l\u00f3gica de inferioridade e a concep\u00e7\u00e3o machista agregadas a este trabalho. Assim, ser\u00e1 poss\u00edvel solucionar esta quest\u00e3o, pois ser\u00e1 retirada do cen\u00e1rio de invisibilidade, como prop\u00f5e Djamila.
\n\u270f\ufe0fMatheus Almeida Barros, de Para\u00edso (TO)
\nTrecho de reda\u00e7\u00e3o de Matheus Barros, nota mil no Enem 2023
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Inep
\nPor meio do seu livro “Brasil, pa\u00eds do futuro” – publicado no \u00faltimo s\u00e9culo – o escritor austr\u00edaco Stefan Zweig expressou a sua confian\u00e7a de que a na\u00e7\u00e3o cresceria e se desenvolveria exponencialmente. Para al\u00e9m disso, nos dias atuais, a sociedade brasileira vivencia uma situa\u00e7\u00e3o inversa, uma vez que a constante invisibilidade feminina relacionada ao trabalho de cuidado e seus impactos negativos na contemporaneidade n\u00e3o s\u00e3o caracter\u00edsticas de um “pa\u00eds do futuro”. Desse modo, algumas neglig\u00eancias governamentais impulsionam a desvaloriza\u00e7\u00e3o trabalhista de cuidado desempenhado pela mulher brasileira e promovem o desenvolvimento de diversas desigualdades econ\u00f4micas. Logo, tanto a inefetividade das leis direcionadas ao p\u00fablico feminino quanto a escassez de investimentos na educa\u00e7\u00e3o capacitiva s\u00e3o suscitadores da problem\u00e1tica.
\nEm primeiro plano, \u00e9 imprescind\u00edvel destacar a baixa efici\u00eancia das leis relacionadas ao trabalho da mulher como um fato que potencializa a invisibilidade do esfor\u00e7o dom\u00e9stico e de cuidados desse grupo. Nesse sentido, o escritor brasileiro Gilberto Dimenstein defende que a legisla\u00e7\u00e3o brasileira funciona somente no papel e, na pr\u00e1tica, \u00e9 ineficiente. A partir disso, tal tese pode ser comprovada por meio da m\u00e1 aplica\u00e7\u00e3o das leis trabalhistas femininas, uma vez que tais documentos n\u00e3o garantem, efetivamente, os direitos fundamentais da mulher, especialmente no \u00e2mbito do trabalho, e geram uma depend\u00eancia dessa parcela ao cuidado dom\u00e9stico, que \u00e9 amplamente desvalorizado e, muitas vezes, n\u00e3o remunerado. Logo, tal insufici\u00eancia do sistema legislativo promove uma explora\u00e7\u00e3o exagerada da popula\u00e7\u00e3o feminina no pa\u00eds.
\nAl\u00e9m disso, vale ressaltar, ainda, a falta de verbas destinadas \u00e0 educa\u00e7\u00e3o como um fator que agrava e desvaloriza o trabalho de cuidado exercido pela mulher brasileira. Nesse sentido, o fil\u00f3sofo esloveno Slavoj Zizek afirma que os pol\u00edticos liberais modernos priorizam interesses mercadol\u00f3gicos e menosprezam atitudes que beneficiem a coletividade. Dessa maneira, verifica-se uma imprud\u00eancia estatal que, por sua vez, despreza a import\u00e2ncia da educa\u00e7\u00e3o ao n\u00e3o investir na capacita\u00e7\u00e3o feminina, o que impede a entrada desse grupo no mercado de trabalho e obriga a mulher a realizar os desvalorizados “trabalhos de cuidado”. Com isso, atitudes que visem ampliar a qualidade do sistema educacional brasileiro mostram-se amplamente necess\u00e1rias.
\nPortanto, vistos os fatores que impactam negativamente na valoriza\u00e7\u00e3o do trabalho de cuidado feminino, medidas s\u00e3o necess\u00e1rias para combat\u00ea-los. Cabe ao governo federal a realiza\u00e7\u00e3o de fiscaliza\u00e7\u00f5es legislativas e, por meio de inspe\u00e7\u00f5es e vistorias em resid\u00eancias de risco, verificar se as leis trabalhistas femininas est\u00e3o sendo devidamente aplicadas, a fim de garantir a n\u00e3o explora\u00e7\u00e3o da mulher dom\u00e9stica. Ademais, o Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o deve, atrav\u00e9s do FUNDEB – o Fundo Nacional de Educa\u00e7\u00e3o B\u00e1sica destinar investimentos \u00e0s escolas, visando promover uma capacita\u00e7\u00e3o geral e inserir as mulheres em um mercado de trabalho justo. Somente assim, o p\u00fablico feminino conquistar\u00e1 a devida visibilidade no \u00e2mbito do trabalho.
\n\u270f\ufe0fLuana Pizzolato, de S\u00e3o Bernardo do Campo (SP)
\nTrecho de reda\u00e7\u00e3o nota mil de Luana Pizzolato no Enem 2023
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Inep
\nAs d\u00e9cadas finais do s\u00e9culo 20, no Brasil, foram marcadas pela presen\u00e7a de movimentos sociais diversos, como o de ruptura das condi\u00e7\u00f5es de g\u00eanero que prejudicavam as mulheres no meio social. Embora as manifesta\u00e7\u00f5es tenham conquistado direitos, ainda h\u00e1 problemas que assolam o cotidiano feminino das brasileiras, como a invisibilidade do trabalho de cuidado. De fato, essa quest\u00e3o \u00e9 influenciada pelo sistema capitalista e pela manuten\u00e7\u00e3o da vis\u00e3o patriarcal. Logo, \u00e9 urgente sanar os desafios e enfrentar a problem\u00e1tica.
\nDiante desse cen\u00e1rio, cabe analisar a rela\u00e7\u00e3o entre o modelo econ\u00f4mico e a invisibilidade referida. Consoante a tese do soci\u00f3logo Karl Marx, os donos de produ\u00e7\u00e3o, no capitalismo, possuem como fim o maior lucro poss\u00edvel. Nessa perspectiva do autor, nota-se que essa mentalidade econ\u00f4mica ainda rege as rela\u00e7\u00f5es atuais, incluindo as do Brasil. Desse modo, em um contexto que o trabalho de cuidado n\u00e3o reproduz o capital desejado pelas empresas, esse \u00e9 invisibilizado e mal remunerado. Portanto, \u00e9 vis\u00edvel que o sistema capitalista \u00e9 um entrave na quest\u00e3o sofrida pelas mulheres.
\nAdemais, a perman\u00eancia da vis\u00e3o patriarcal acentua o problema dessa invisibilidade. Tal situa\u00e7\u00e3o \u00e9 explicada pois, desde o per\u00edodo colonial do Brasil, as mulheres foram designadas a cumprir fun\u00e7\u00f5es dom\u00e9sticas e de cuidado, j\u00e1 que n\u00e3o eram vistas como capazes de exercer outro of\u00edcio. Nesse cen\u00e1rio, ao relacionar com a atualidade, \u00e9 n\u00edtido que essa conven\u00e7\u00e3o social do papel da mulher foi mantido como modo de continuar o privil\u00e9gio dos homens, detentores do poder. Assim, ao passo que esses se consideram superiores, n\u00e3o h\u00e1 uma luta para valorizar o trabalho de cuidado, j\u00e1 que \u00e9 visto como fun\u00e7\u00e3o intr\u00ednseca e obrigat\u00f3ria do g\u00eanero feminino.
\nEm suma, constata-se que mudan\u00e7as devem ocorrer para enfrentar os desafios da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher. Para isso, cabe ao poder legislativo, na condi\u00e7\u00e3o de detentor dos meios legais de transforma\u00e7\u00e3o, criar leis que tornem obrigat\u00f3ria a remunera\u00e7\u00e3o digna desse of\u00edcio com inclus\u00e3o no mercado, al\u00e9m de regulamentar sua valoriza\u00e7\u00e3o. Essa proposta deve ser aprovada por meio de um debate na C\u00e2mara dos Deputados e tem como fim acabar com a invisibilidade desse trabalho. Feito isso, a quest\u00e3o deixar\u00e1 de ser um problema do corpo social brasileiro.
\n\u270f\ufe0fHelo\u00edsa Vit\u00f3ria Silva, de Lagarto (SE)
\nTrecho da reda\u00e7\u00e3o nota mil de Helo\u00edsa Vit\u00f3ria no Enem 2023
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Inep
\nNa obra \u201cUtopia\u201d, de Thomas More, \u00e9 retratada uma sociedade perfeita e em harmonia, a qual \u00e9 livre de conflitos e mazelas. Todavia, fora de fic\u00e7\u00e3o, a realidade contempor\u00e2nea est\u00e1 distante disso, haja vista os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado exercido pela mulher no Brasil. Por certo, a neglig\u00eancia governamental e a desigualdade social s\u00e3o fatores que favorecem esse quadro.
\nPercebe-se, a princ\u00edpio, que o descaso estatal possui \u00edntima rela\u00e7\u00e3o com o rev\u00e9s. Nessa \u00f3tica, de acordo com o fil\u00f3sofo John Locke, configura-se como um rompimento do Contrato Social, j\u00e1 que o Estado n\u00e3o cumpre com sua fun\u00e7\u00e3o de garantir que todos desfrutem de seus direitos. Assim, devido \u00e0 d\u00e9bil a\u00e7\u00e3o do Poder P\u00fablico e \u00e0 insufici\u00eancia de legisla\u00e7\u00f5es, os impasses para acabar com a invisibilidade vivenciada por aquelas que realizam o trabalho de cuidadoras, sejam elas bab\u00e1s, donas de casa ou empregadas dom\u00e9sticas, t\u00eam crescido cada vez mais no Brasil. Dessa forma, \u00e9 inadmiss\u00edvel que esse cen\u00e1rio continue a perdurar.
\nRessalta-se, ademais, a situa\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade em que diversas cuidadoras est\u00e3o inseridas como impulsionadora do problema. Nesse contexto, segundo o escritor Ariano Suassuna, o Brasil \u00e9 dividido em dois pa\u00edses distintos: o pa\u00eds dos privilegiados e o pa\u00eds dos despossu\u00eddos. Sob esse vi\u00e9s, grande parte dessas mulheres vivem em condi\u00e7\u00f5es prec\u00e1rias, por isso, tendem a aceitar qualquer coisa e realizam at\u00e9 mesmo trabalhos sem remunera\u00e7\u00e3o; o que faz com que as dificuldades para enfrentar essa problem\u00e1tica aumentem e tornem essas mulheres cada dia mais invis\u00edveis perante o corpo social. Destarte, \u00e9 imprescind\u00edvel que haja mudan\u00e7a.
\nInfere-se, portanto, a necessidade de combater essa problem\u00e1tica no Brasil. Logo, cabe ao Governo, como Minist\u00e9rio do Trabalho, desenvolver leis mais r\u00edgidas e projetos sociais, por meio de peti\u00e7\u00f5es e da cria\u00e7\u00e3o da campanha \u201cCuidar tamb\u00e9m \u00e9 trabalhar\u201d, a fim de vencer os impasses enfrentados pelas cidad\u00e3s que exercem a fun\u00e7\u00e3o de cuidadoras e garantir que passem a ser enxergadas e n\u00e3o sofram mais com a invisibilidade e a desvaloriza\u00e7\u00e3o. Por conseguinte, uma sociedade mais pr\u00f3xima da que \u00e9 citada em \u201cUtopia\u201d ser\u00e1 consolidada.
\n**Esta reportagem est\u00e1 em atualiza\u00e7\u00e3o.
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