
No total, Salvador tem mais de 6 mil estabelecimentos religiosos de diferentes denominações, segundo o IBGE. Celebração da Lavagem do Bonfim, em Salvador
Max Haack/Ag.Haack
Há muitos anos, o dito popular que aponta a existência de uma igreja para cada dia do ano em Salvador foi musicado pelo eterno Dorival Caymmi. Ao longo do tempo, essa realidade mudou. Atualmente, são 589 templos católicos na cidade, conforme a Arquidiocese de São Salvador da Bahia. Isso equivale a uma média de 1,6 – ou duas, aproximadamente – igrejas por dia.
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A influência do catolicismo sobre a Salvador é forte desde os primórdios, já que a colonização da primeira capital do Brasil se deu, em grande parte, pelos portugueses, católicos fervorosos. “Antes de existirmos enquanto cidade, nós já tínhamos templos, capelas simples, dedicadas a Nossa Senhora”, disse o historiador Rafael Dantas.
Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Salvador
Divulgação
Ele se refere, por exemplo, às igrejas de Nossa Senhora da Vitória e de Nossa Senhora da Graça, apontada como a primeira de Salvador e erguidas antes da fundação da cidade, em 1549. Ambas são datadas em torno de 1534 e 1535.
“Segundo os mais antigos, essa igreja foi construída a pedido de Catarina Paraguaçu para acomodar uma imagem de Nossa Senhora das Graças encontrada na Bahia. Provavelmente, a Igreja de Nossa Senhora da Vitória tenha vindo em seguida. Depois, foi construída uma pequena capelinha de taipa dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Na cidade murada, se constrói ainda a Igreja d’Ajuda. Em seguida, a Sé e o Colégio dos Jesuítas”, contou o historiador.
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Teto da Igreja de Nossa Senhora da Graça com imagem de Catarina Paraguaçu ajoelhada em frente a Maria, mãe de Jesus
Reprodução/TV Bahia
Cinco terreiros por dia
Com o passar dos anos e o consequente crescimento da cidade, considerada a capital da América Portuguesa e, portanto, uma das mais importantes da América do Sul, a Igreja Católica ganhou mais imponência.
Essa era a religião oficial do estado, no entanto, isso não significa que não existiam outras expressões religiosas na cidade. Só que “tudo que fugia desse padrão existia clandestinamente, como as expressões de matriz africana”.
“O sincretismo foi, entre outros pontos, uma forma de perseverar. Hoje, principalmente, as religiões de matriz africana dominam nas comunidades que rodeiam o centro antigo de Salvador. Se temos um número muito grande de igrejas católicas, tenho certeza de que são muito mais terreiros de Candomblé”, afirmou Rafael Dantas.
Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA), confirma essa tese. Ele aponta que Salvador tem cerca de 2 mil terreiros, o que equivale a pouco mais do que cinco por dia, em média. “Esses números são frutos do levantamento e das nossas andanças. A gente já tem quase 2 mil terreiros cadastrados na AFA e há uma subnotificação, portanto, podemos afirmar que sim, Salvador tem mais de 2 mil terreiros”, explicou.
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Árisson Carvalho
O doutor em antropologia e Babalorixá Vilson Caetano avalia que esse número elevado de terreiros também é resultado do processo de formação de Salvador, que teve contribuições de povos indígenas e africanos.
“Na colonização, a espiritualidade foi fundamental para os africanos e africanas sobreviverem, resistirem e darem continuidade às suas expressões de vida e cultura. A religiosidade ferveu como elemento de resistência à escravidão”, comentou.
Mesmo com essa realidade e expressividade, a intolerância religiosa ainda faz parte do cotidiano da capital baiana. Para o antropólogo, isso é fruto do racismo estrutural, que se manifesta de várias maneiras no Brasil””.
“A cidade de Salvador é extremamente racista. A intolerância passa por esse racismo estrutural. Para a gente enfrentar, precisamos desconstruir isso e, nesse processo, os negros e não-negros são muito importantes”, declarou Vilson Caetano.
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Mais pontos religiososo que hospitais e escolas
Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador
Andréa Silva/TV Bahia
Segundo o IBGE, Salvador tem 6.032 estabelecimentos religiosos, o quarto maior número absoluto dentre todos os municípios do país, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus. Esse número equivale ao dobro do número de estabelecimentos de ensino (3.018) e de estabelecimentos de saúde no município (1.509). Ou seja, a capital baiana tem pontos ligados à religião do que hospitais e escolas.
Para o antropólogo Vilson Caetano, isso se dá por causa do crescimento das religiões protestantes durante os anos, especialmente as neopentecostais. Devido à diversidade de denominações protestantes que existem, o g1 não encontrou um levantamento sobre a quantidade de igrejas do tipo em Salvador.
“O fenômeno religioso do Brasil é caracterizado por uma espiritualidade marcada pelas romarias, espiritismo, religiões de culto afro-brasileiro, protestantismo e catolicismo. No protestantismo, temos as igrejas pentecostais e neopentecostais, compreendidas com a classe dominante, de direita, e orquestram um discurso afinado com o racismo estrutural”, analisou.
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Fábio Marconi/Divulgação PMS
A própria quantidade de igrejas católicas aumentou durante os anos. Em 2014, quando ainda não existia um levantamento oficial e, portanto, havia a possibilidade de subnotificação, era divulgado que Salvador tinha 372 templos de religião católica. Hoje, a Arquidiocese reconhece que esse número já era maior, na época, mas não conseguiu precisar quanto.
O cônego Edson Menezes, vigário episcopal para a Pastoral e reitor da Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim, acredita que a quantidade de estabelecimentos religiosos na cidade é fruto da necessidade da população. “O povo soteropolitano é um povo naturalmente, essencialmente religioso, que participa de manifestações religiosas e a espiritualidade popular é muito forte em Salvador”, opina.
“A igreja, vendo demanda, constrói templos para atender aos fiéis. Enquanto os bairros vão crescendo, é preciso que tenhamos mais igrejas para garantir uma maior participação. E hoje a Igreja Católica investe em comunidades. É isso que faz a quantidade de igrejas crescer. Você tem a matriz responsável por um determinado número de comunidades e cada uma tem sua capela. A igreja não é só o templo, é o grupo de pessoas que ali formam uma comunidade”, explicou Menezes.
Já o historiador Rafael Dantas avalia que as expressões tão fortes de religiosidade em Salvador também evidenciam os problemas do município.
“É um processo estrutural de desigualdade, exclusão, concentração de poder nas mãos de poucos e imposição de diversas ordens. Essa cidade de Salvador, tão caracterizada pelo religioso, talvez represente um anseio do povo para encontrar, na sua religião, forças para continuar lutando”.
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