
Negício movimenta mais de R$ 200 milhões só no Rio, e sonegação fiscal causa prejuízo de bilhões. Bandidos se associam a tráfico e milícia para controlar territórios. Polícia apura se Adilsinho, novo patrono do Salgueiro, está por trás da máfia que não para de crescer no estado. Dezenas de homicídios, desaparecimentos, tentativas de assassinatos, dívidas resolvidas a bala. Propinas, lavagem de dinheiro, contrabando e sonegação fiscal. Essa é uma parte da lista de crimes da máfia do cigarro ilegal, que tem crescido nos últimos anos no Rio e já controla ao menos 45 dos 92 municípios do estado (veja abaixo a lista das cidades).
Em quase metade do Rio de Janeiro, incluindo a capital e a Baixada Fluminense, a venda de cigarro paraguaio está proibida, e só os maços produzidos pela quadrilha podem ser vendidos.
Durante semanas, o RJ2 levantou dados junto à polícia e à Justiça para traçar o panorama de um dos setores mais lucrativos do crime organizado – e que tem relações com a contravenção, com as milícias, com o tráfico de drogas e até com o carnaval.
Trata-se de um negócio de bilhões: só de sonegação fiscal, o mercado do cigarro falsificado deixou de pagar R$ 10 bilhões em impostos em todo o Brasil em cinco anos – mais de R$ 2 bilhões só no Rio de Janeiro.
Antes, os maços eram contrabandeados do Paraguai. Hoje, os bandidos já falsificam aqui no Rio. A máquina de seis toneladas que sumiu da cidade da polícia é prova disso. Nesta segunda-feira (1), uma operação teve buscas contra suspeitos para tentar esclarecer o crime.
Mortes, desaparecimentos e sequestros
Em comunidades, a regra é clara: só pode entrar cigarro do bando. Quem desrespeita, corre risco de vida.
A quadrilha transformou a ilegalidade em monopólio. Um negócio lucrativo e disputado com extrema violência.
Quem atravessa o caminho dos interesses do grupo sofre ameaça de morte e extorsão. Se não aceita participar, morre.
Um levantamento feito pelo RJ2 nas delegacias de homicídio da capital e da Baixada Fluminense contabilizou, de 2022 para cá, ao menos 20 ocorrências entre mortes e tentativas de assassinato, desaparecimentos e sequestros ligados à máfia do cigarro.
Entre as ocorrências, foram ao menos:
6 em municípios da Baixada (São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Nova Iguaçu e Duque de Caxias)
6 na Zona Oeste do Rio
5 na Zona Norte 1 no Centro da capital
Dono de tabacaria assassinado
Como o dono de uma tabacaria no Recreio, na Zona Oeste. Segundo as investigações da Delegacia de Homicídios, Cristiano de Souza foi morto porque se negou a vender cigarros da máfia.
A quadrilha descobriu que ele comprou uma máquina para fabricação própria de cigarros e planejava expandir os negócios.
Em junho do ano passado, Cristiano foi assassinado, por volta do meio-dia, numa rua tranquila do bairro.
Camelô desaparecido e mulher sequestrada
Anderson Reis dos Santos foi outra vítima. O camelô vendia cigarros paraguaios em Nilópolis e foi ameaçado pela quadrilha.
A mulher de Anderson chegou a ser sequestrada como forma de intimidar o camelô; o crime aconteceu em dezembro de 2022.
Anderson não teria cedido aos interesses do grupo. O camelô está desaparecido, mas informações colhidas pela polícia demonstram que ele teria sido assassinado pela quadrilha.
‘Matei para caralh*’, diz bandido em áudio
Um áudio que consta na investigação de um dos assassinatos ligados à máfia do cigarro mostra como o bando age:
“Fod***, deixa o corpo aí mesmo (…) Eu quebrei (matei) uns três, aí foi fod*. Matei pra caralh*. Taquei fogo no corpo dele, e o povo achou que era balão (risos)”, revela o áudio.
Mais de 80 tiros em execução
A forma como essa outra vítima foi morta relata a brutalidade do grupo. Tiago Barbosa estava a bordo de um BMW avaliada em mais de R$ 1 milhão em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quando o veículo foi atingido por mais de 80 tiros.
Nem a blindagem do carro foi capaz de impedir a execução. O inquérito aponta a disputa pelo controle da venda ilegal de cigarros como motivo para o assassinato.
Adilsinho investigado
Adilson Oliveira, o Adilsinho
Reprodução/Fantástico
Investigações da Polícia Civil e Federal mostraram que o homem por trás do monopólio da venda de cigarro ilegal no Rio é Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho.
O nome dele ou de pessoas ligadas a ele aparecem na maioria dos homicídios investigados na capital e na baixada fluminense em decorrência da disputa do cigarro.
Os detalhes de como age a quadrilha da qual ele foi acusado de chefiar foram revelados por duas investigações recentes – do Gaeco, órgão do Ministério Público do Rio, e da Polícia Federal.
Nas operações “Smoke Free”, de novembro de 2022, e “fumus”, no ano anterior quase 70 mandados de prisão foram expedidos pela Justiça. Entre os alvos, estavam Adilsinho e Cláudio Coutinho de Oliveira.
Giro de R$ 45 milhões
As investigações apuraram que o grupo teria movimentado mais de R$ 45 milhões com negócios ilegais e provocado um prejuízo de cerca de 2 bilhões aos cofres públicos com sonegação de impostos.
Nas duas ações, foram cumpridos 125 mandados de busca e apreensão em Duque de Caxias e Campos dos Goytacazes, além da capital.
Entre os endereços visitados pela polícia, estavam fábricas de cigarro de propriedade de Adilsinho.
Os 45 municípios onde atua a máfia do cigarro:
Areal
Angra dos Reis
Araruama
Arraial do Cabo
Barra Mansa
Barra do Piraí
Campos dos Goytacazes
Duque de Caxias
Engenheiro Paulo de Frontin
Iguaba Grande
Itaguaí
Itaboraí
Itatiaia
Itaperuna
Mangaratiba
Miracema
Miguel Pereira
Mesquita
Magé
Maricá
Mendes
Nova Iguaçu
Niterói
Porto Real
Piraí
Paracambi
Paty do Alferes
Porciúncula
Petrópolis
Pinheiral
Rio Bonito
Rio Claro
Rio das Ostras
Resende
Rio das Flores
Rio de Janeiro
São Pedro da Aldeia
São João de Meriti
Saquarema
São José do Vale do Rio Preto
Tanguá
Teresópolis
Vassouras
Valença
Volta Redonda