
Ministério Público estimou em R$ 51 milhões o valor do terreno, que deve ser pago com verba de acordo bilionário realizado com a Uninove. Projeto do Parque Bixiga criado por ativistas
Divulgação
O Grupo Silvio Santos propôs à Prefeitura de São Paulo a venda do terreno que será usado para a construção do Parque do Rio Bixiga, ao lado do Teatro Oficina, no Centro da capital, por R$ 80 milhões. O ofício enviado ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) é assinado pelo presidente do grupo, José Roberto dos Santos Maciel.
Entretanto, o valor está acima do estipulado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e pela gestão municipal. Em dezembro do ano passado, o órgão anunciou que iria destinar R$ 51 milhões para o futuro parque. A verba virá da Uninove, que assinou termo com o MP para destinar cerca de R$ 1 bilhão para evitar um processo por suspeita de pagamento de propina (leia mais abaixo).
À reportagem, Nunes disse que procurou o Grupo Silvio Santos na tentativa de entrar em acordo de forma amigável, sem recorrer a judicialização, para comprar o terreno. Segundo o prefeito, a proposta do atual proprietário será avaliada e enviada para o Departamento de Desapropriações de Procuradoria Geral do Município.
Procurado pelo g1, o promotor Silvio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, que conduziu o acordo da Uninove, também afirmou que vai pedir a avaliação dos imóveis pela prefeitura. Para ele, o valor de R$ 80 milhões está bem acima da indenização estipulada para o terreno de 12 mil metros quadrados.
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Disputa pelo terreno se estende há anos
Há anos o terreno é alvo de disputa entre o dramaturgo Zé Celso, fundador do Teatro Oficina Uzyna Uzona, e do apresentador do SBT. Dono do local desde a década de 80, o Grupo Silvio Santos pretendia construir três prédios de até 100 metros de altura.
Zé Celso defendia que a construção dos prédios prejudicaria as atividades culturais do teatro e desconfiguraria o projeto da arquiteta Lina Bo Bardi. O Teatro Oficina também foi inscrito no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo das Belas Artes, pelo Iphan (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional) em 24 de junho de 2010.
O tombamento determina os padrões para a preservação das características do espaço, e delimita como entorno a área de proteção visual em frente ao Viaduto Júlio de Mesquita Filho.
Zé Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina em São Paulo, em imagem de março de 2017
Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo/Arquivo
Durante anos, Zé Celso e Silvio Santos se reuniram diversas vezes para tentar resolver o impasse do terreno. O dramaturgo morreu em um incêndio em julho do ano passado sem ver o sonho do Parque Bixiga ser concretizado.
“Nossa preocupação é e sempre foi, sobretudo, assegurar que o empreendimento, além da geração de empregos, trará enormes benefícios a seu entorno ao oferecer um padrão de moradia digno; ao levar em conta a acessibilidade urbana; a revitalização de seu entorno; a oferta de serviços que atenderão a população local; e o respeito aos que lá fazem divisa com o empreendimento”, justificou o presidente do grupo em comunicado à imprensa nesta quinta-feira (4).
Acordo com a Uninove
Para entender o motivo de a Uninove precisa pagar R$ 1 bilhão, é preciso voltar a 2013, quando foi descoberta a máfia dos fiscais. Durante as investigações, surgiu a informação de que a Uninove teria pagado R$ 5 milhões para dois agentes da prefeitura para não fiscalizarem a instituição.
A Uninove foi chamada e colaborou com as investigações. O acordo feito agora livra a instituição de processos cíveis.
Para pagar mais de R$ 1 bilhão de indenização, a Uninove vai ceder durante 16 anos um prédio onde vai funcionar a Secretaria Municipal da Saúde e um hospital de média complexidade que irá realizar 600 cirurgias por mês.
Além disso, um imóvel no Bairro do Cambuci será transferido ao patrimônio público municipal e um edifício será construído na Vila Clementino pela Uninove, em terreno municipal, para abrigar um Cartório Eleitoral.
Um dos principais motivos para a assinatura do acordo, segundo o MP, foi o fato de a universidade ter prestado relevantes serviços de saúde à população, inclusive durante a Pandemia de Covid-19.
A Uninove gastou mais de R$ 60 milhões durante a pandemia sem ter a certeza de que esse valor entraria nesse termo.
O promotor Silvio Marques disse que esse é o maior acordo indenizatório da história do Ministério Público de São Paulo, dez anos depois do escândalo ter sido descoberto numa investigação iniciada pela Controladoria do Município, na gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT) e de promotores do Gedec, entre eles Roberto Bodini.
José Celso Martinez Corrêa durante entrevista realizada no Teatro Oficina, em São Paulo, em imagem de setembro de 1995
Agliberto Lima/Estadão Conteúdo/Arquivo
Quem era Zé Celso
O dramaturgo, que nasceu em Araraquara, interior paulista, em 1937, é conhecido pela maneira excêntrica e ousada de montar suas peças de teatro e provocar a plateia.
Em junho deste ano, Zé Celso se casou com Marcelo Drummond, de 60 anos. Usando ternos brancos, o casal oficializou a relação de quase 40 anos em uma cerimônia no Teatro Oficina Uzyna Uzona, sede da companhia teatral criada pelo dramaturgo na região central de São Paulo.
Zé Celso iniciou a carreira no final da década de 1950 com duas peças de sua autoria: “Vento Forte para Papagaio Subir” e “A Incubadeira”. Sua influência artística foi além dos palcos, aparecendo também em obras do cinema, como “O rei da vela” e “25”.
Sem medo de experimentações e com constante desejo de renovação, Zé Celso provocou atores e público, criando um teatro mais sensorial, sempre guiado pela realidade política e cultura do país.
Ele estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde participou do Centro Acadêmico. O diretor não concluiu o curso, mas foi durante seu período universitário que fundou o Grupo de Teatro Amador Oficina, no final da década de 1950.
Inquieto e irreverente, o artista se destacou com suas montagens de criações coletivas. Em 1961, o grupo ganhou uma sede na Rua Jaceguai, no Centro da capital paulista, e se profissionalizou, se tornando o tradicional Teatro Oficina. Desde 1982, o Teatro Oficina é tombado como patrimônio histórico. A companhia é considerada uma das mais longevas em atividade no Brasil.
Em 1964, Zé Celso levou ao palco a peça Andorra, que marcou sua transição do realismo para um teatro com uma postura mais crítica, inspirada no teatro épico do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
Nesse período, Zé Celso viajou para a Europa para aprofundar seus estudos sobre Brecht. Anos após sua volta, o diretor levou o texto do alemão “Galileu Galilei” para os palcos do Oficina.
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