Janeiro é marcado pela cor lilás, que representa a visibilidade de pessoas trans no Brasil. Em Bauru (SP), a primeira Semana da Visibilidade Trans homenageou Luana, com o tema ‘Eu me organizando posso desorganizar em prol de direitos, dignidade e respeito’. Luana Leon é homenageada na Primeira Marcha Trans de Bauru
Gabriela Milanezi/TV TEM
Há 20 anos, janeiro é marcado pela cor lilás para incentivar a reflexão sobre a visibilidade de pessoas trans no Brasil, a aceitação da identidade de gênero, a representatividade e a luta por direitos e combate ao preconceito e à discriminação. Em contrapartida, há 16 anos, o Brasil ocupa o primeiro lugar na lista de países que mais matam pessoas trans e travestis.
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Em 2024, foram 122 assassinatos, a maioria de jovens trans negras, empobrecidas, nordestinas e mortas em espaços públicos, com requintes de crueldade, segundo um dossiê divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) na segunda-feira (27), dois dias antes do Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Em Bauru, no interior de SP, essa luta deu um pequeno passo rumo à vitória quando, em 2017, uma lei municipal regulamentou a emissão de um documento com o nome social de pessoas trans e travestis.
Luana Leon, com 57 anos na época, tornou-se símbolo da campanha, já que foi contemplada com a carteira 001 do programa.
A bauruense morreu em dezembro de 2024, vítima de um quadro de tuberculose agravado por complicações do HIV. Um mês depois, a 1ª Marcha Trans de Bauru foi realizada em sua homenagem (saiba mais no fim da reportagem).
‘Matriarca da nossa população trans’
Pelas redes sociais, a Associação de Mulheridades, Transexuais e Travestis (AMTT) de Bauru descreveu Luana como a “matriarca da população trans” da cidade.
O título quase universal pode ser visto na forte amizade entre Luana e Carla Juraci, de 48 anos. A professora da rede estadual contou ao g1 que conhecia a amiga havia 19 anos e que o apoio dela foi crucial quando sua filha, Gaia, hoje com 26 anos, se reconheceu como mulher trans.
“Nos conhecemos por acaso, há cerca de 19 anos. Estávamos sentadas em um banco na Batista de Carvalho e, de repente, começamos a conversar. Desde então, nos tornamos amigas. Hoje, minha filha Gaia tem 26 anos. Quando tinha 15, me contou que era uma mulher trans, e foi a Luana quem me deu todo o apoio durante a transição dela”, conta.
Carla lembra que Luana precisou sair de casa muito cedo e, muitas vezes, recorreu à prostituição por falta de apoio da família. Apesar das dificuldades, ela nunca hesitou em defender a luta pelas pessoas trans na cidade, incluindo aquelas que vivem com HIV.
“Ela defendia quem precisasse, enfrentava qualquer um por justiça, mas sempre com elegância. Lutava pelo direito à saúde e à educação. Concluiu o ensino médio pelo CEEJA e sonhava em cursar direito ou serviço social, mas, infelizmente, não conseguiu uma bolsa para realizar esse sonho”, completa.
Inauguração do Centro de Testagem e Aconselhamento de Bauru (CTA)
Arquivo pessoal
Em entrevista ao g1 em 2023, Luana contou que, com a emissão das carteiras, imaginava estar vivendo o fim de uma angústia que a acompanhava havia anos. No entanto, a felicidade de ter um documento com seu verdadeiro nome deu lugar ao descaso por parte dos órgãos públicos.
“Só posso dizer que a ansiedade por algo que nos daria um pouco de liberdade e respeito acabou na primeira tentativa de usar. Esqueceram de preparar os órgãos públicos como deveriam”, relatou Luana na época.
Ela contou ainda que, há mais de 30 anos, se encontrou com Luana e, desde então, atuou ativamente na luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ em Bauru.
Luana participou de duas gestões do Conselho de Atenção à Diversidade Sexual (CADS). Em uma delas, como vice-presidente, levou à prefeitura a proposta de implantar a Carteira de Nome Social, ação que gerou frutos em 2017, quando ela e mais dez pessoas receberam suas carteiras.
Carteira específica para pessoas trans/travesti em Bauru (SP) foi emitida em 2017
Gabriela Milanezi/TV TEM
1ª Marcha Trans de Bauru
A 1ª Marcha Trans foi realizada na tarde de domingo (26), saindo da Praça da Paz e seguindo até o Parque Vitória Régia.
1ª Marcha Trans homenageia Luana Leon, primeira bauruense a receber a certidão com nome social
AMTT/Divulgação
O evento fez parte da Semana da Visibilidade Trans, organizada pela Associação de Mulheridades, Transexuais e Travestis (AMTT), com a participação da Organização Mães da Resistência, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, da Organização Socialismo Libertário e do PSOL de Bauru.
Sophia Rivera, de 27 anos, uma das organizadoras da AMTT, explicou que o tema da marcha, “Eu me organizando posso desorganizar em prol de direitos, dignidade e respeito”, também reflete o propósito do evento.
“O objetivo da semana, além de ser um marco para a cidade como a primeira organizada e bem estruturada para a população trans e travesti, é também um momento de proposição e compromisso. Queremos renovar e fortalecer essa movimentação que já acontecia na cidade, trazendo-a para um novo patamar: o da implementação real e do avanço das demandas que nossa população tanto precisa”, contou em entrevista ao g1.
Exposição de artistas trans na OAB de Bauru (SP)
Andressa Lara/TV TEM
Além disso, toda a programação serviu como um chamamento público para que a comunidade trans se una na busca por seus direitos.
“Sozinhos, não conseguimos. Precisamos de um entendimento coletivo, porque a coletividade envolve todo mundo. Além das negociações dentro do poder público e de outras frentes, queremos que tanto os profissionais quanto a sociedade civil sejam acolhidos e participem desse processo”, finaliza Sophia.
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