Cidadão cientista viveu a vida toda próximo à Reserva Biológica da Mata Escura, onde o novo espécime foi coletado. Opilião fêmea Cajango ednardoi
Adriano Brilhante Kury
Já imaginou fazer uma descoberta científica sem nunca ter entrado em um curso de biologia? Foi o que aconteceu com o brigadista e fotógrafo Ednardo Martins, um homem apaixonado pela natureza que sempre teve a região da Reserva Biológica da Mata Escura (Rebio Mata Escura) como quintal de casa.
Nascido e criado no Quilombo Mumbuca, localizado a cerca de 30 km do município de Jequitinhonha (MG), Ednardo cresceu próximo às plantas e animais da Mata Atlântica mineira. O conhecimento e o interesse por eles, acumulado ao longo dos anos, possibilitou o registro de uma nova espécie de opilião – um aracnídeo frequentemente confundido com uma aranha.
De início, Ednardo não sabia que se tratava de uma nova espécie. Assim que fez o registro, ele disponibilizou a foto na plataforma iNaturalist, onde o pesquisador Adriano Brilhante Kury, curador de aracnídeos do Museu Nacional/UFRJ, a reconheceu como um membro do gênero Cajango, descrito por ele mesmo em 2023.
Em novembro de 2023, o Museu Nacional organizou uma longa expedição de carro a diversas localidades de Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. No entanto, devido ao atraso das chuvas, e consequente aridez da região, não foi possível encontrar nenhum exemplar de Cajango.
Opilião fêmea Cajango ednardoi
Adriano Brilhante Kury
Após comunicação de Ednardo de que as chuvas estavam trazendo o verde de volta, uma expedição relâmpago foi montada em março de 2024. Adriano e Alexia Granado passaram três dias prospectando o local com ajuda de Ednardo, obtendo alguns machos e fêmeas da espécie.
Depois de realizar diversas análises, um artigo escrito por Kury e Granado foi publicado no início de 2025, no periódico internacional Zootaxa. Nele, o novo opilião foi batizado com o nome de Cajango ednardoi, em homenagem ao cidadão cientista Ednardo Martins.
“Sem a paixão e o trabalho cotidiano de Ednardo na Rebio da Mata Escura, a existência dessa espécie jamais chegaria ao nosso conhecimento”, afirma Adriano Kury.
“Eu fiquei sem acreditar! A sensação foi inexplicável e até hoje parece que a ficha não caiu! Principalmente por contribuir com a ciência. Eu nunca imaginei receber uma homenagem tão especial! Sinto que cada esforço que eu fiz até aqui valeu a pena”, diz o morador local.
Opilião macho Cajango ednardoi
Adriano Brilhante Kury
A reserva como segunda casa
“Sempre ouvia histórias relacionadas à ‘Mata Escura’, mesmo antes de ser criada a reserva. Era como se fosse um mundo encantado quando eu era ainda criança. Vinha em minha cabeça mil imaginações. Era meu mundo imaginário”, conta o brigadista.
O tempo se passou e veio o decreto de criação de Reserva Biológica Mata Escura. “Naquele tempo foi como se meu mundo tivesse acabado! Diziam as más línguas que teríamos que sair daquele lugar onde sempre vivemos”.
Ednardo Martins fotografa animais diversos como forma de se conectar com meio natural
Arquivo pessoal
Dez anos depois, em 2016, Ednardo é selecionado para uma vaga de chefe de brigada na Rebio Mata Escura. Lá, ele poderia conhecer um pouco mais sobre a criação da reserva.
“O contrato duraria apenas seis meses, mas seria tempo suficiente pra mudar minha vida completamente. Por ser da região, conhecer lugares e pessoas eu sempre era acionado pra acompanhar pesquisadores em trabalhos de campo”, comenta. Em 2019, o contrato já havia acabado, mas o sentimento de amor pela área ainda permanecia.
Empolgado com o trabalho dos pesquisadores, ele começou a cursar economia e comprou a primeira câmera fotográfica. Sair para o mato observar a natureza e fotografar animais passou a ser sua maior diversão. “Eu sabia que havia muita coisa pra ser mostrada e que havia grande chance que eu pudesse encontrar também espécies novas dentro da Mata Escura”.
“Eu sou um amante da natureza. Faço qualquer coisa para proteger e também tento conscientizar outras pessoas sobre a importância de respeitar e preservar a natureza. Sinto que levarei comigo pra sempre essa missão”, finaliza.
Maior opilião da reserva
O gênero Cajango já inclui três outras espécies, todas encontradas ao longo da margem norte do Rio Jequitinhonha, mas consideravelmente mais perto do estado da Bahia.
A descoberta da espécie estende a distribuição combinada do gênero mais para o oeste, marcando sua primeira ocorrência no estado de Minas Gerais. O novo opilião parece estar restrito a altitudes entre 750 e 1100 metros, enquanto a maioria dos registros das outras três espécies é de altitudes abaixo de 600 metros.
Segundo Kury, o Cajango ednardoi é a maior espécie de opilião da Rebio Mata Escura. “Existe apenas um pequeno número de espécies localmente, e qualquer acréscimo a isso é importante. Mas sendo uma espécie nova e endêmica, mas aparentada com outras 3 espécies do baixo curso do Rio Jequitinhonha, sua descoberta é crucial”, relata.
Opilião macho Cajango ednardoi
Adriano Brilhante Kury
Seu habitat é o fundo de vales com formação de floresta, onde ocorre uma concentração de umidade. De acordo com a gestora da unidade Márcia Nogueira, a cada ano o fluxo dos corpos d’água diminui na reserva, e o avanço das atividades humanas tende a “imprensar” as formações naturais.
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