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Especialistas ouvidos pelo g1 explicam o impacto da ‘batalha dos bonés’ e as estratégias usadas tanto pelo governo como pela oposição no uso de adereços e vestimentas. Lula com boné e Tarcísio com boné
Reprodução
Nesta semana, a moda uniu o governo e a oposição. Ambos usaram da mesma estratégia de marketing político para passar mensagens por meio de um acessório: o boné.
O resultado foi a chamada “batalha do boné”, que teve como ponto alto a abertura do Legislativo, nesta segunda-feira (3), quando parlamentares tomaram o plenário da Câmara usando adereço com frases que refletiam suas correntes ideológicas.
O uso de peças de vestuário e de tendências de moda para passar recados é recorrente na política, apontam especialistas ouvidos pelo g1.
“O ‘corpo-vestido’ se converte então em uma espécie de estratégia para a veiculação de mensagens que têm a vantagem de serem portáteis, serem compreendidas como uma real extensão do que aquela pessoa representa, numa espécie de síntese que pode se traduzir por uma palavra ou slogan, em uma camiseta, por exemplo”, explicou o doutor em teoria da história da arte e professor de artes visuais Marco Antônio Vieira.
Bonés de hoje são camisetas de ontem
Para explicar a tese, o estudioso faz um paralelo entre o movimento dos bonés e o das camisetas durante as últimas campanhas eleitorais ou o movimento dos cara-pintadas, na década de 90, que reivindicava a saída do ex-presidente Fernando Collor.
Em agosto de 1992, caras-pintadas ocupam as ruas do Centro do Rio de Janeiro
Reprodução/ GloboNews
“A função simbólica, comunicacional desses bonés não se distingue como estratégia retórica daquela encarnada pelas camisetas verde-amarelas, as bandeiras vermelhas, as caras pintadas em outros contextos políticos ao longo da história”, acrescentou Marco Antônio Vieira.
Deniza Gurgel, consultora e pesquisadora de imagem política, destaca também que direita e esquerda têm usado técnicas de “branding”, isto é, de gestão de marca de grandes empresas para se consolidar no imaginário dos consumidores.
Para isso, a estratégia é criar devoção, fidelidade ou, até mesmo, fanatismo.
“No caso, os consumidores da política são os eleitores. Dessa forma, eles [políticos e partidos] tentam criar uma espécie de devoção, de fanatismo, de fidelidade, quase como torcedores em relação a time de futebol. É como se a gente pensasse numa disputa Apple e Microsoft. Quem usa Apple, ama Apple, detesta Microsoft e vai comprar e seguir comprando os lançamentos da Apple, sem sequer olhar para o que a Microsoft está lançando no mercado”, exemplificou a especialista.
Bonés
Lulistas (boné azul) e bolsonaristas (boné amarelo) se provocam no plenário da Câmara
De um lado, a oposição usou bonés verdes e amarelos estampando a mensagem: “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”, de outro, a base governista usou bonés azuis com a mensagem “O Brasil é para os Brasileiros”.
Um dia após o episódio na Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apareceu em um vídeo usando o mesmo boné azul com a frase emblemática.
“É uma clara estratégia interna do governo”, avaliou Deniza Gurgel. Segundo ela, a “batalha dos bonés” pode ser lida como uma forma de ambos os lados manterem a “polêmica da polarização”.
A especialista ressaltou que o movimento estourou em meio a um suposto clima de “consenso” no Congresso, quando o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) foram eleitos com ampla margem e apoio de quase todos os partidos para presidir Câmara e Senado.
É como se, com os bonés, as tendências políticas dominantes estivessem dizendo: “por circunstâncias internas ao Congresso, concordamos com os novos presidentes, mas não somos iguais”.
“É importante para o jogo político e eleitoral que se aproxima que continue essa percepção de disputa, principalmente tendo em vista que os bonés surgiram com mais força num dia em que houve um grande acordo de coalizão para eleger os presidentes das Casas”, completou.
O movimento começou com o boné vermelho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estampa seu famoso mote: “Make America Great Again [Faça a América grande outra vez]”.
Em homenagem à posse de Trump, em janeiro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, usou o mesmo boné, assim como outros políticos de oposição ao governo, como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e o ex-candidato a prefeitura de São Paulo Pablo Marçal já fizeram aparições com o acessório de Trump.
Batalha dos bonés marca início do ano Legislativo
Ferramenta de empatia
Lula mostra meia com a logomarca de programa contra a evasão escolar no Brasil
Reprodução/Canal Gov
No ano passado, durante alguns eventos da agenda do governo, o presidente Lula fez questão de mostrar a meia que usava escrito: “Pé-de-Meia”, em referência ao programa do governo que oferece incentivos a estudantes do ensino médio público.
Foi fotografado outras vezes com meias divertidas de capivara, cactos, do time do coração, o Corinthians, assim como o vice-presidente Geraldo Alckmin, que já chegou a viralizar na internet com meias de bolinhas e carrinhos.
Meias usadas pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, viralizam
Sergio Lima/AFP
Esse último modelo foi usado por Alckmin em abril de 2024 em um evento de uma associação de fabricantes de veículos.
Desde o início do governo, Lula também vem fazendo aparições públicas, em agendas oficiais, usando uniformes, como por exemplo de funcionário da Petrobras. Também já se vestiu de brigadista e usou um chapéu de pantaneiro, usou quepe de piloto de avião e até turbante, símbolo do Afoxé Filhos Gandhy.
Lula vestido de filhos de Gandhi no desfile cívico do 2 de Julho de 2024, na Bahia
Matheus Landim/GOVBA
O professor em design de moda e especialista em psicologia, moda e comportamento do consumidor, Fernando Demarchi, afirma que o marketing feito pela Presidência da República tem sido usado de forma estratégica para se conectar com diferentes públicos.
“Ao se vestir como funcionário da Petrobras, pantaneiro ou piloto de avião, ele não apenas se adapta ao ambiente, mas também constrói uma imagem de identificação com as causas e os grupos que representa. Essa prática reforça a ideia de que a moda é uma forma de performar papéis e estabelecer conexões emocionais com a população”, argumenta.
Demarchi destaca também o fato de a moda na política poder simplificar mensagens complexas e torná-las acessíveis ao grande público.
“Um boné, uma camiseta ou até mesmo um par de meias com uma frase ou símbolo pode se tornar um ícone de campanha ou uma crítica visual. A moda pode humanizar líderes políticos, aproximando-os do cotidiano das pessoas e criando uma sensação de familiaridade e empatia”, justifica.
Marco Antônio Vieira faz observação parecida. “É uma clara tentativa de gerar empatia por parte de quem usa esse aparato semiótico que é o uniforme. Como chefe-mor da nação, o presidente da República se ‘iguala’ se camufla ‘como’ um operário, trabalhador. Ele se traveste como gente como a gente”, pondera.
Reforço do pertencimento
Nesta quarta (5), o ex-ministro e ex-candidato à Presidência da República Ciro Gomes quis surfar na onda da batalha dos bonés, fazendo uma espécie de crítica ao uso dos acessórios pelos políticos. Com a frase “Vai trabalhar vagabundos”, ele aparece com um boné amarelo, feito numa montagem.
“Cada cor, frase ou escolha estética carrega significados estratégicos, reforçando pertencimentos a grupos específicos e evocando memórias coletivas — como o verde e amarelo, historicamente associado ao patriotismo, mas ressignificado em contextos recentes. Esses elementos não apenas demarcam territórios ideológicos, mas também provocam interlocutores ao disputar símbolos nacionais que dialogam com o imaginário popular”, pontua Demarchi.
Ele também destaca a fusão entre entre marketing político e estratégias visuais, demonstrando como objetos aparentemente simples podem influenciar debates públicos, moldar percepções e intensificar polarizações.