No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, pesquisadoras abordam barreiras enfrentadas por mulheres na área e a importância da representatividade no meio científico. Pesquisadora brasileira engravidou enquanto estudava na Sibéria e conta sobre desafios na ciência e maternidade
Divulgação/Ilum
Um levantamento do g1 mostra que as mulheres são maioria com mestrado e doutorado no Brasil, mas isso não representa a maior presença delas em cargos de liderança na ciência. Quem conseguiu atravessar esse abismo aponta que um dos maiores desafios para a progressão na carreira está na maternidade.
“Acho que o grande desafio de toda mulher na ciência é o mesmo desafio de toda mulher, e esse é um desafio que perpassa todas as profissões, conciliar a maternidade com os compromissos profissionais”, afirma Valéria Spolon Marangoni.
Coordenadora de Pesquisa e Laboratórios da Ilum Escola de Ciência, do CNPEM, em Campinas (SP), Valéria construiu uma carreira acadêmica de destaque, passando por instituições como a USP, a Rice University (EUA) e a National University of Singapore.
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Além da atuação na ciência, a pesquisadora encara esse desafio de equilibrar a maternidade com a vida profissional.
Valéria contou como a maternidade a surpreendeu no momento em que estava avançando na carreira e, mesmo com os desafios, conseguiu conciliar a gravidez durante a pandemia, e o doutorado em Singapura.
“Eu engravidei no último ano de doutorado, na fase em que você está no finalzinho, no processo de concluir o doutorado, publicar artigo e fazer todas as últimas etapas. Foi uma surpresa muito grande para mim, mas eu também sabia que era o momento de decidir: o que eu faço agora? Eu escolhi continuar”, avisa.
Nesta terça (11) ,é celebrado o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, data criada em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de conscientizar a sociedade para a igualdade de gênero na ciência.
Pesquisadora brasileira engravida enquanto estudava na Sibéria e enfrenta desafios na ciência e maternidade
Divulgação/Ilum
A desigualdade de gênero na ciência
Valéria destaca como as dificuldades de conciliar a vida profissional com a pessoal são comuns, especialmente para mulheres, e como é necessário um apoio institucional para que essas escolhas não precisem ser feitas de forma tão difícil.
“Eu falava ‘preciso estar com meu filho, mas preciso continuar com a minha carreira’. E aí você entra naquele dilema de como fazer as duas coisas ao mesmo tempo, sem abrir mão de nenhuma delas.”
A coordenadora de Pesquisa e Laboratórios da Ilum Escola de Ciência cita entre as barreiras a dificuldade de acesso a oportunidades iguais de crescimento dentro da ciência.
E ressalta que apesar dos avanços ao longo dos anos, as mulheres ainda encontram barreiras que dificultam sua ascensão a cargos de liderança.
Essa desigualdade estrutural também é ressaltada por Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências, que destacou como as mulheres ainda são minoria em cargos de liderança dentro da pesquisa científica.
“Mulheres têm todas as competências, todas as qualidades, mas, na hora de ocupar o lugar de liderança, elas são afastadas, são boicotadas, e, muitas vezes, são preteridas pela visão de que o cargo é de um homem”, diz.
Presidente de Academia Brasileira de Ciências (ABC), é a primeira mulher a presidir a instituição em mais de 100 anos.
Julio Cesar Guimarães / ABC
O impacto da representatividade
A baixa presença de mulheres em cargos de liderança dentro da ciência tem um efeito desmotivador para algumas pesquisadoras e ciêntistas.
Valéria ressalta que é fundamental dar visibilidade ao trabalho de cientistas mulheres para que meninas e jovens pesquisadoras sintam-se incentivadas a seguir nessa carreira.
“A gente precisa ter mulheres representando, porque, caso contrário, a gente nunca vai ver uma geração de mulheres científicas dentro de cargos de liderança, de gestão, e com autonomia para criar os próprios projetos.”
A jornalista especializada em ciência Sabine Righetti, lider de produções cientificas da Unicamp, também reforçou essa questão. Para ela, a ausência de mulheres em posições de destaque no meio acadêmico cria uma falsa percepção de que a ciência é um espaço predominantemente masculino.
“A nossa sociedade acredita que a ciência é um lugar de homens, que a matemática é para os homens e a química também, e a gente, muitas vezes, não se vê nesse lugar.”
A maternidade e a dupla jornada
O impacto da maternidade na trajetória das cientistas, segundo Valéria é um dos maiores desafios. A dupla jornada entre a vida profissional e a vida pessoal ainda recai majoritariamente sobre as mulheres pesquisadoras, tornando a progressão na carreira um desafio adicional.
“Eu falo com muita tranquilidade que não é fácil, mas as coisas não têm que ser fáceis. Mas a gente precisa de um apoio, seja de políticas públicas, seja de ações institucionais para que as mulheres não precisem escolher entre ser mãe e ser cientista.”
Essa dificuldade também foi destacada pela professora Mariana Hirota, que diz a dificuldade ao tentar equilibrar a carreira acadêmica com a maternidade.
“A maternidade é um grande desafio. Você, muitas vezes, se vê em uma situação de conflito, onde a cobrança social é muito forte, e o seu desempenho na carreira também acaba sendo cobrado de forma diferente.”
Pesquisadora concilia maternidade com o trabalho
reprodução/Instituto Serrapilheira
O futuro da equidade na ciência
Valéria ressalta que para garantir a equidade de gênero são necessárias mudanças estruturais que vão além do incentivo inicial.
“Precisamos criar condições para que as mulheres se sintam estimuladas a continuar e cheguem a lugares de liderança, com espaços de visibilidade e autonomia para decidir.”
Helena Nader reforça que essa mudança passa por uma revisão das políticas acadêmicas e científicas, garantindo que a diversidade seja, de fato, uma prioridade.
“Ainda há muito a ser feito, mas temos que lutar para que as mulheres tenham a mesma visibilidade, as mesmas oportunidades e, principalmente, o mesmo reconhecimento do seu trabalho.
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