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Juliana Freitas, de Marília (SP), sempre sonhou com o momento de ser mãe e, durante a gestação, descobriu que o filho Gabriel tinha uma doença genética rara incompatível com a vida. Juliana viveu intensamente a gestação de Gabriel e, inclusive, fez um ensaio fotográfico na praia
Arquivo pessoal
Ao viver o luto de perder o filho, que morreu 18 minutos após o nascimento, a nutricionista Juliana Freitas decidiu apoiar outras mães que passaram pela mesma situação, que é carregada por muita dor, mas também pode gerar experiências de acolhimento e conscientização entre as famílias e profissionais da saúde que lidam com essas perdas.
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Intitulado de “Café com saudade”, o projeto da profissional, que é especialista em nutrição materna infantil e moradora de Marília (SP), busca criar um ambiente de encontro e escuta das experiências vividas por essas mães.
Além da nutricionista, o grupo de idealizadoras do projeto conta com a terapeuta ocupacional e educadora perinatal Suelen Gama e com a ginecologista e obstetra Amanda Pelosi. O primeiro encontro presencial será neste sábado (22) e eles serão realizados a cada dois meses, mas mensalmente serão feitas reuniões online (veja abaixo como participar).
“Após a perda, muitas vezes não se acha espaço para falarmos sobre nossos filhos, pois, sim, eles existiram, são nossos filhos, e falar sobre eles, sobre nossa história nos cura. Então, pensei em criar o ‘Café com saudade’ para ser esse espaço de escuta, de acolhimento a essas famílias, que, por muitos motivos, carregam essa dor caladas.”
“Precisamos falar sobre esses ‘anjos’ e conscientizar as pessoas sobre a importância desse cuidado”, completa.
Luto neonatal
Gabriel nasceu e viveu por 18 minutos em Marília (SP)
Arquivo pessoal
Como especialista em nutrição materna infantil, Juliana convive diariamente com o universo da maternidade e sempre sonhou com o momento de se tornar mãe para poder colocar em prática na sua vida aquilo que acredita e orienta no seu trabalho.
Ela conta que descobriu a gestação em março do ano passado, mas, com 12 semanas, houve a suspeita do diagnóstico de que o bebê teria uma doença genética rara que impossibilitaria sua sobrevivência. Mesmo diante dessa situação, Juliana e o marido decidiram viver intensamente a gestação e a esperança de conhecer o filho, um menino que recebeu o nome de Gabriel.
“Me senti realizada. Imaginei como seria ser mãe e me aventurar na maternidade. No entanto, a vida nos surpreendeu com uma suspeita diagnóstica. Com 12 semanas, ouvi que meu filho não iria conseguir se mexer em meu ventre, que eu teria um parto prematuro e que ele nasceria sem vida, pois o diagnóstico era de uma doença genética rara incompatível com a vida. Nesse período entre suspeitas e a confirmação do diagnóstico, eu e meu marido decidimos viver intensamente a gestação, aproveitando cada segundo do Gabriel aqui com a gente, pois sabíamos que o tempo dele em vida seria curto”, lembra.
Diferente do diagnóstico, Juliana conta que teve uma gestação muito tranquila e que Gabriel se mexia bastante e nasceu com 38 semanas de gestação (não foi um parto prematuro).
“Viver a gestação sabendo que meu tempo era limitado com meu filho me fez ver a imensidão da vida, o quanto é importante deixar fluir e se entregar aos milagres da vida, mesmo quando tudo parece desabar.”
Após o parto, o bebê viveu por 18 minutos. Tempo curto que foi vivido de forma muito intensa por Juliana e o marido, que puderam ficar esses minutos junto a Gabriel no hospital.
“Pegar o Gabriel no colo assim que ele nasceu foi o maior presente que Deus poderia ter me dado. O luto é um processo muito desafiador, não é fácil, é um dia de cada vez, mas a fé me sustentou, a esperança em viver momentos especiais com meu filho me fez ver a vida de uma forma muito mais leve”, ressalta a nutricionista.
“Claro que dói, dói muito, é uma dor na alma, uma dor gigante, mas a alegria de ter meu filho ao lado de Deus preenche meu coração e me traz paz para viver crendo que os planos de Deus são os melhores para nós”, completa.
Compartilhar experiências
Ao compartilhar a sua vivência com o luto nas redes sociais, Juliana percebeu a importância de se criar uma rede de apoio às mães que passam pela situação do luto gestacional e neonatal, que, na maioria das vezes, é um sofrimento silencioso.
“Viver tudo o que eu vivi me fez perceber a falta de profissionais capacitados abordando e apoiando o luto materno, o luto das famílias que perderam precocemente seus filhos. Após compartilhar meu relato nas redes sociais, recebi inúmeras mensagens de mulheres que passaram e passam pela mesma dor e que se sentiram tocadas em compartilhar. Essa dor muitas vezes é invalidada pela sociedade e pelas próprias famílias”, afirma.
Por serem vidas tão breves, muitas pessoas, mesmo com a intenção de ajudar, não conseguem entender a amplitude da dor dessas mães: a dor da perda de um sonho que ainda estava em construção, da expectativa de vivenciar a maternidade muitas vezes pela primeira vez.
Dizer para essas mulheres em luto que a vida continua, que o casal poderá ter outros filhos, que da próxima vez vai dar certo nem sempre são as melhores palavras e, muitas vezes, aprofunda a dor na medida em que invalida a experiência vivida com aquele ser que estava sendo gerado.
A partir do momento em que Gabriel foi gerado, gestado, nasceu e viveu os seus minutos de vida nos braços dos pais, ele para sempre será o primeiro filho de Juliana e do marido.
“Gestar foi a experiência mais maravilhosa da vida, mesmo com todos os desafios. E algo importante de dizer é que deu tudo certo na gestação do Gabriel, foi tudo como tinha que ser, de acordo com os planos de Deus para nós. O fato de ter entregado o Gabriel para Deus não invalida sua vida e nossa gestação.”
Juliana montou e guarda com carinho as peças do enxoval de Gabriel
Arquivo pessoal
‘Café com saudade’
Para poder compartilhar e falar sobre o seu luto e também ouvir outras mães e famílias que vivem essas mesmas experiências, Juliana contou com a ajuda das outras duas profissionais da área de saúde para idealizar o “Café com saudade”, um espaço de escuta ativa, como ela mesma explica.
“Um espaço seguro e cheio de afeto para dividir as dores, a saudade, para encontrar um pouco de alívio, esperança e aprender novos caminhos para lidar com o luto. Um momento para ouvir, partilhar e estar. O objetivo principal do ‘Café com saudade’ é acolher e dar suporte para as famílias na elaboração dos seus processos de luto.”
O intuito é também, por meio dos encontros, “conscientizar e capacitar as famílias e profissionais a respeito da importância desse cuidado na gestação, no parto e pós-parto das mães que passam por desfechos desfavoráveis”.
Interessados em participar do encontro presencial neste sábado podem entrar em contato pelo WhatsApp (14) 99838-8659 e faz a inscrição. Outras informações sobre o grupo de apoio online estão disponíveis no Instagram . O encontro será na clínica Ostera, que fica na Rua Júlio de Mesquita, 866, das 15h às 17h.
A perda gestacional e o luto neonatal ganharam destaque no começo deste mês com o caso da cantora Lexa, que perdeu a filha Sofia após um parto prematuro causado pela Síndrome de Help, uma complicação da pré-eclâmpsia (veja mais sobre o caso na reportagem abaixo).
O que é a síndrome de HELLP, complicação que causou morte da filha de Lexa
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