Fortuna de Walter Salles, diretor de ‘Ainda Estou Aqui’ começou com um comércio no Sul de Minas


Avô do cineasta começou com um armazém em Cambuí e se tornou banqueiro em Poços de Caldas. Casa Moreira Salles em Poços de Caldas
Acervo Instituto Moreira Salles (IMS)
O diretor de cinema Walter Moreira Salles Junior, que concorre ao Oscar neste domingo (2), também é um dos homens mais ricos do Brasil e tem a origem de sua fortuna no Sul de Minas Gerais.
O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, concorre a três estatuetas do Oscar: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres – algo inédito no cinema nacional.
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Outros dois filmes de Salles já tiveram indicações na premiação: Central do Brasil, por Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Montenegro, e Diários de Motocicleta, nas categorias Melhor Canção Original e a Melhor Roteiro Adaptado.
Além de figurar entre os importantes cineastas do mundo, Walter Salles também é o terceiro mais rico, atrás apenas de Steven Spielberg e George Lucas.
O cineasta brasileiro Walter Salles, diretor do filme ‘Ainda Estou Aqui’
Etienne Laurent / AFP
Segudo a revista Forbes, Salles tem um patrimônio avaliado em R$ 26,4 bilhões e está na lista das 12 maiores fortunas do Brasil.
Nesta mesma lista há outros três Moreira Salles, irmãos de Walter. Juntos, os quatro somam R$ 127,4 bilhões em patrimônio.
Fortuna começou no Sul de Minas
O patrimônio bilionário da família Moreira Salles inclui participações no Itaú/Unibanco e na Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) – responsável por 75% do nióbio do mundo – , plantações de laranja e café no interior de São Paulo, e até a marca Havaianas.
Essa fortuna teve início há mais de cem anos, no interior de Minas Gerais, com o avô de Walter Salles que comprou um pequeno comércio que décadas depois se tornaria um dos maiores bancos do país.
Filho de pequenos agricultores, João Theotônio Moreira Salles nasceu em Cambuí, no Sul de Minas, em 1888, e mostrou tino para os negócios desde muito cedo. Ainda adolescente começou a trabalhar na loja do tio, que também era seu padrinho, a qual comprou anos depois, dando início ao seu próprio negócio.
Casa Moreira Salles em Cambuí
Acervo Instituto Moreira Salles (IMS)
No mesmo local, paralelamente ao comércio, se estabeleceu como correspondente bancário, fornecendo crédito para os produtores da região. Desde o começo, João Moreira Salles pautou seus negócios na maior riqueza do Brasil na época: o café. Durante a safra vendida insumos para os fazendeiros e alimentos e outros produtos do dia a dia para os trabalhadores das lavouras e na entressafra fornecia crédito aos cafeicultores para a manutenção das suas plantações.
Assim ele passou quase dez anos até decidir, em 1918, se estabelecer em Poços de Caldas, onde inicia a grande expansão de seus negócios.
A cidade estava no auge. Chegou a ter 20 cassinos onde se apresentavam os mesmos artistas brasileiros e estrangeiros que se apresentavam nas casas do Rio de Janeiro. Era considerada a Las Vegas e a Hollywood brasileiras que recebem a elite política e agrícola do país – do presidente da república aos barões da borracha e do café – que se tratavam nas águas termais durante o dia e se divertiam nos cassinos à noite. A economia também era punjante, com o uso da ferrovia para o escoamento do café.
“Ele já trabalhava como correspondente bancário, mas o ‘pulo do gato’ foi a mudança para Poços de Caldas. Ele sentiu que aqui estava uma cidade mais pujante economicamente. Além de ser um lugar onde passava a ferrovia, também era onde a aristocracia paulista e os grandes produtores rurais do país se reuniam, um ótimo lugar para fazer network”, diz o pesquisador Flávio José Valente, professor do projeto turismo educativo 60+ da Universidade Aberta para a Maturidade (Unabem).
João Moreira Salles com a esposa Lucrécia e os filhos Hélio (à esq), Walther (atrás no centro), Zé Carlos (centro à frente) e Elza (à dir)
Acervo Instituto Moreira Salles (IMS)
Descrito como um homem de estatura média, bastante discreto, sempre muito bem vestido, de extrema cortesia e simpatia extraordinária, João Moreira Salles se estabeleceu em um grande sobrado na rua Paraná (hoje Assis Figueiredo), principal via comercial de Poços de Caldas. A construção que tomava toda a esquina, abrigava no andar de cima uma residência com nove quartos e, no térreo, a Casa Moreira Salles, um armazém que vendia de tudo, de armarinhos a ferragens, de tecidos e prataria a grãos.
Assim como em Cambuí, o empresário estabeleceu ali um correspondente bancário. No decorrer dos anos, foi aberta neste endereço, a primeira agência do Unibanco e hoje tem instalada uma agência do Itaú.
Os serviços financeiros foram crescendo, chegando a representar 13 bancos, e se tornaram a principal atividade de Moreira Salles até que em 1924, ele conseguiu autorização da recém-criada Inspetoria Geral dos Bancos (uma espécie de antecessora do atual Banco Central) para atuar como seção bancária e se tornar, de fato, uma instituição financeira.
Agência do Itaú em Poços de Caldas que foi a primeira agência do Unibanco
Fabiana Assis/g1
Ao mesmo tempo, o empresário diversificava seus negócios. Passou a atuar nas áreas de telefonia e de energia elétrica da região e no mesmo ano que ganhou autorização de seção bancária faz parcerias para se tornar um exportador de café a partir do porto de Santos.
O café era a veia condutora dos negócios de Moreira Salles: ele comprava o café dos produtores de Minas Gerais e São Paulo e levava para o porto de Santos, e intermediava as transações por meio da sua instituição bancária.
“Ele quis dominar integralmente o negócio do café: ele já tinha a produção, passando pelo financiamento da produção, armazenamento, e transporte para Santos. Faltava apenas exportar”, afirma Valente.
Assim como acontecia com sua riqueza, a influência de João Moreira Salles aumentava em Poços de Caldas. Em 1927, após uma iniciativa do governador de Minas para construir um novo complexo formado por hotel, termas e cassino no centro da cidade, ele foi convidado pelo então prefeito Carlos Chagas para ir à Europa comprar todo o mobiliário do Palace Hotel.
“Ele não só comprou, como a prefeitura ficou devendo para ele. Essa dívida foi ser paga muitos anos depois”, conta o pesquisador.
Com o crescimento da exportação de café, João Moreira Salles muda-se para Santos com a família. Reverteu essa decisão poucos anos depois na crise de 1929, que abalou o mercado de café. Mas não desistiu de fincar morada na cidade litorânea e nos anos seguintes preparou o caminho para ir definitivamente para Santos, esperando seu primogênito assumir os negócios, o que aconteceu quatro anos depois.
Banco mineiro ganha o Brasil
Walther Moreira Salles como superintendente do Banco Moreira Salles, em Poços de Caldas
Acervo Instituto Moreira Salles (IMS)
Foi Walther Moreira Salles que transformou pequena casa bancária de Poços de Caldas em um dos maiores bancos do Brasil.
Em 1933, o pai do diretor Walter Salles torna-se sócio e assume, aos 18 anos, a administração da casa bancária, quando ainda era um estudante de direito.
Seu pai João, então deixa Poços de Caldas e muda-se para Santos para se dedicar quase exclusivamente à exportação de café.
Os relatos mostram uma boa relação entre o filho e o pai, que desde cedo já o orientava dentro de uma filosofia de cuidado com o dinheiro.
Em uma carta direcionada ao seu primogênito que queria um smoking para seus compromissos na capital paulista João escreveu:
“Os negócios, ultimamente, dão pouco para todos e quem vive de trabalho, como nós, e precisa manter honradamente o nome, tem que equilibrar as despesas com as rendas.
[…] Quanto ao smoking, aconselho a não fazê-lo, não só por ser dispensável, como também por não ser bonito nem nobre um menino de família relativamente pobre sustentar esses luxos. Peço-te pois que varra isso do pensamento, porque se refletires um pouco, verás que é futilidade.[…]
Teu pai, que trabalha das 6 da manhã às 11 da noite, como ainda hoje aconteceu, fala com o único fito de conservar seu nome e de poder educar seus enternecidos filhos. Sabes bem que aquele que assim procede, estudou pouco e com dificuldades grandes. Confio muito em ti e preciso que me prometas que entrarás, desde já, no bom caminho, desprezado as más companhias e os luxos.”
Walther Moreira Salles passou a infância com os avós em Pouso Alegre (MG), onde nasceu. Teve os primeiros estudos com professores particulares em casa, até se mudar para São Paulo para estudar, primeiro no Liceu Franco-Brasileiro e, depois, na faculdade de direito São Francisco.
Quando se estabeleceu em Poços de Caldas, Walther vai morar no Palace Hotel, que era o centro político, econômico e social da cidade. Lá ele tinha contato com a nata da sociedade brasileira, inclusive com o presidente Getúlio Vargas, que possuia um apartamento exclusivo, no qual se hospedava todos os verões, praticamente transferindo a capital federal para a cidade mineira.
“ É possível entender como os negócios prosperavam a partir de Poços de Caldas, porque ele conseguia fazer todo contato sem precisar se movimentar muito”, aponta Flávio Valente.
Getúlio Vargas em frente ao Hotel Palace em Poços de Caldas
Acervo Instituto Moreira Salles (IMS)
Era considerado discreto, estudioso, sempre lendo livros em francês e em inglês. Cerimonioso, não era de falar gíria. Sua habilidade com as pessoas, assim como com o dinheiro o tornou anos mais tarde embaixador do Brasil em Washington (EUA) e ministro da Fazenda.
Em 1940, liderou uma fusão da Casa Bancária Moreira Salles com outras instituições financeiras de Botelhos e Machado, criando o Banco Moreira Salles, com sede em Poços de Caldas, que depois se tornaria Unibanco até se fundir ao Itaú em 2008.
Um ano depois, houve uma grande expansão de agências do Banco Moreira Salles no sul de Minas, em São Paulo e na capital federal que ainda era o Rio de Janeiro.
“Aí Poços perdeu o Walter para o Rio de Janeiro. Porque não tinha mais como segurar o homem. Nesses anos de 1930 a 1940 ele fez o negócio explodir, e aí, até pela influência da amizade com a família Vargas, ele vai para o Rio de Janeiro”, diz Valente.
Incentivo à cultura
Instituto Moreira Salles reabre 1º centro cultural e chalé centenário após reformas em Poços de Caldas, MG
Júlia Reis/g1
Mas a ligação de Walter com Poços não acabou. Cinquenta anos após deixar a cidade, ele deixa um legado na área das artes, uma grande paixão sua.
Em 1992, ele funda a primeira unidade do Instituto Moreira Salles em Poços de Caldas, após comprar e reformar um chalé projetado e construído por Giovanni Battista Pansini, em 1894.
Nos fundos do chalé, com entrada para a rua de trás, foi construído um centro cultural com mais de 1000 m² de área expositiva, em um projeto moderno e minimalista do arquiteto Aurélio Martinez Flores, contrapondo a memória da Poços de Caldas dos tempos áureos do café, quando a família Moreira Salles se mudou para a cidade, com a modernidade que hoje circula os negócios da família.
Exposição do fotógrafo Walter Firmo no Instituto Moreira Salles, em Poços de Caldas
Fabiana Assis/g1
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