Luigi Mangione: as surpresas e revelações do homicídio que ganhou manchetes globais


Acusado de ter assassinado o CEO da maior seguradora de saúde dos Estados Unidos, o americano Luigi Mangione deve ser julgado ainda neste ano. Luigi Mangione compareceu a um tribunal em Nova York no mês passado
REUTERS via BBC
Acusado de ter assassinado o CEO da maior seguradora de saúde dos Estados Unidos, o americano Luigi Mangione deve ser julgado ainda neste ano, em um caso que tem mobilizado a opinião pública mundial — sobretudo na internet.
O homem de 26 anos foi detido, segundo a polícia, portando uma identidade falsa e uma pistola igual à usada no homicídio de Brian Thompson. Mangione se declara inocente das acusações contra ele.
O caso que despertou uma onda de apoio e também de radicalismo aconteceu no dia 4 de dezembro de 2024. Brian Thompson, executivo-chefe da maior seguradora de saúde americana, a United Healthcare, foi morto a tiros, no centro de Nova York.
Depois de dias divulgando a imagem do suspeito, a polícia prendeu Luigi Mangione, de 26 anos. Ele foi identificado por um funcionário de uma lanchonete McDonalds no Estado vizinho da Pensilvânia.
Mangione portava uma identidade com o nome Mark Rosario. A polícia diz que ele carregava também uma pistola de 9 milímetros, mesmo tipo de arma usada para matar Brian Thompson, e um documento em que estava escrito à mão a frase: “esses parasitas merecem o que receberam”.
Mangione foi indiciado em Nova York por homicídio como ato de terrorismo. Além disso, ele é acusado pela Justiça da Pensilvânia, por identidade falsa e porte de armas sem licença, e pela Justiça Federal, por perseguição e homicídio com arma de fogo.
Isso significa que ele pode ser julgado em três instâncias diferentes, com pena máxima de prisão perpétua ou até mesmo pena de morte.
Perante a Justiça de Nova York, Mangione se declarou inocente.
Reações ao caso
Um fato que chama atenção é a quantidade de pessoas comuns que têm comparecido à entrada do tribunal para demonstrar apoio a Mangione.
Presencialmente e na internet, centenas de milhares de pessoas passaram a justificar ou mesmo celebrar o assassinato de Brian Thompson.
“Em plataformas como TikTok ou Instagram, vimos aumento de 400% em hashtags como ‘destrua os ricos’ em reação a esse homicídio”, diz Joel Finkelstein, pesquisador e fundador da Network Contagion Research Institute.
A sua entidade trabalha monitorando a propagação de conteúdo de ódio, desinformação e fake news em plataformas de redes sociais e também em espaços físicos. Finkelstein conversou com o podcast The Mangione Trial, da BBC, sobre o julgamento.
“Havia grupos massificando o conteúdo dele, criando memes, mercadorias, vídeos gerados por inteligência artificial, objetificando-o sexualmente. A atividade e o apoio ao homicídio parecem ser incrivelmente altos.”
E o que explicaria essa mobilização toda? Os especialistas citam várias razões. Primeiro, uma grande frustração da população com a indústria de seguros-saúde.
Muitos usuários de planos de saúde se queixam da burocracia e da dificuldade para conseguir a cobertura de tratamentos médicos.
“Estamos nos levantando, e a maior parte do mundo também. Estamos cansados de seguradoras sendo corruptas e negando centenas de coberturas às pessoas”, disse Gladys Sharpp, moradora de Long Island, no Estado de Nova York.
A mercantilização da saúde e a desigualdade de acesso a cuidados médicos são insatisfações que ecoam no mundo inteiro.
Um segundo ponto que explicaria o interesse em torno do caso é o crescente descontentamento com o poder econômico e político de grupos.
“Existe essa sensação de que, como millennial ou jovem, ‘eu não tenho futuro’, ‘não vamos conseguir consertar as coisas’. Essa sensação de que não há nada que eu possa fazer realmente parece ser não apenas parte da motivação de Luigi, mas parte da fascinação dele para seus apoiadores”, diz Finkelstein.
Beleza
Outro fator que contribuiu para a popularidade de Mangione, segundo analistas, é sua beleza.
“[Existe uma] ideia de privilégio da beleza”, diz Jordan Dunbar, apresentador do podcast da BBC sobre Mangione.
“Ele é um cara bem apessoado, e parece que isso ampliou ainda mais o apoio a ele.”
O caso de Mangione ganhou tantos holofotes que até o prefeito de Nova York, Eric Adams, foi acusado de se promover às custas da história.
Adams, que enfrenta acusações de corrupção na Justiça, apareceu escoltando Mangione quando ele foi levado da Pensilvânia para Nova York — algo muito incomum para alguém no cargo de prefeito.
O circo midiático em torno de Mangione, e o fato de ele ter sido acorrentado nas mãos e nas pernas, provocaram queixas da advogada de defesa.
“Como qualquer outro réu, ele tem direito à presunção de inocência. Mas infelizmente, na forma como o caso tem se desenrolado até agora, os direitos dele têm sido violados”, disse Karen Friedman Agnifilo, advogada de Mangione.
Julgamento comprometido?
Críticos dizem que a comoção em torno do caso pode beneficiar o réu, por potencialmente motivar jurados a absolver Mangione mesmo que existam provas contundentes contra ele.
Um financiamento coletivo aberto pelo próprio Mangione, para custear sua defesa, já arrecadou centenas de milhares de dólares.
Com todos esses elementos em jogo, os analistas consultados pela BBC acham que a trajetória de Brian Thompson, a vítima do crime, acabou sendo ofuscada.
Apesar de ter personificado uma indústria considerada gananciosa, Thompson também encarnava o “sonho americano”: era uma pessoa que veio de família simples do interior e subiu na vida — até virar executivo-chefe de uma grande empresa.
“O fato de que alguém que tinha uma família, que tinha dois filhos e uma esposa, que estão agora completamente arrasados”, diz Joel Finkelstein, da Network Contagion Research Institute.
“Essa história de vir do nada e subir na vida foi completamente perdida na narrativa, porque o meme exige que essa pessoa seja um vilão, alguém que não desperta simpatia.”
Sobre Luigi Mangione, se sabe que ele vem de uma família influente da região de Baltimore, que fez fortuna no ramo imobiliário.
Ele se formou em uma universidade de elite, a Universidade da Pensilvânia. Mais tarde, viveu em uma comunidade de surfistas no Havaí e voltou de lá com uma dor crônica nas costas.
Não está claro até o momento se Luigi Mangione teve alguma disputa mal resolvida com seguradoras de saúde. Só o que se sabe é que na mochila dele havia uma espécie de manifesto chamando a United Healthcare de “poderosa demais” e acusando a empresa de lucrar em cima da população.
A família Mangione tem se mantido em silêncio até agora sobre o caso. O único comunicado foi feito por um primo, que é político local, e que disse que toda a família está chocada e arrasada.
O julgamento de Mangione é previsto para acontecer ainda em 2025.
Enquanto isso, outro ineditismo do caso é que Mangione criou um site para trazer notícias do próprio processo legal.
“É a primeira vez [que vejo alguém fazer isso]”, diz a analista legal Terri Austin. “Mesmo com julgamentos muito midiáticos, como os de R Kelly, Harvey Weinstein, OJ Simpson, todos de grande interesse, e eu nunca havia visto os réus fazer esse tipo de comunicado.”
“Acho que esse será um dos casos de maior interesse que veremos.”
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