Trump trata imigrantes ilegais como inimigos de guerra e abre precedente perigoso para os EUA


Presidente americano usa sua autoridade para deportar grupo de venezuelanos para El Salvador, desafiando decisão judicial. Trump deporta imigrantes baseado em lei de guerra
Há pontas soltas no gesto apressado do governo americano em despachar para El Salvador 261 imigrantes sem documentos, a grande maioria venezuelanos, desafiando uma ordem judicial que bloqueava temporariamente a deportação.
O presidente Trump se sustenta na Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, invocada apenas três vezes no país, para expulsar os imigrantes, acusados de pertencerem à gangue venezuelana Tren de Aragua e à salvadorenha MS-13. Os grupos foram designados como organizações terroristas no início deste governo.
Criada há 227 anos, a lei pode ser invocada sempre que uma guerra for declarada entre os EUA e outro governo estrangeiro — o que não é o caso no que se refere a imigrantes ilegais, tratados agora como inimigos de guerra do governo americano.
O seu uso por Trump abre mais um precedente perigoso do atual governo sobre o abuso de poder, já que existem outros instrumentos legais para expulsar criminosos do país. Ou seja, imigrantes sem documentos podem ser deportados sem decisão judicial.
O presidente alega que a gangue venezuelana estava “ameaçando a invasão ou incursão predatória contra o território dos Estados Unidos”. Achou por bem terceirizar o problema, deportando, no sábado, mais de duas centenas para El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele comanda o país sob o regime de emergência nacional para levar adiante a repressão à criminalidade.
Policiais de El Salvador escoltam membros da gangue Tren de Aragua, deportados pelos EUA, no Aeroporto Internacional de El Salvador, antes de serem levados à prisão CECOT, como parte de um acordo entre os governos.
Secretaria de Prensa de la Presidencia via REUTERS
Uma ordem judicial no sentido contrário ao do governo foi emitida no sábado pelo juiz federal James E. Boasberg, impedindo que o governo deportasse qualquer imigrante sob a Lei de Inimigos Estrangeiros. Não está claro, nessa altura, se o avião com os imigrantes já havia decolado ou se o governo desrespeitou a decisão judicial.
O fato é que Bukele alardeou a chegada dos deportados a El Salvador, com um vídeo de três minutos, exibindo o traslado dos imigrantes algemados e de cabeça raspada para o Centro de Confinamento do Terrorismo.
Inaugurada em 2023 e com capacidade para 40 mil detentos, a mega prisão se tornou o símbolo de sua luta contra as gangues. Críticos questionam a suspensão dos direitos básicos na prisão de milhares de supostos membros das gangues salvadorenhas.
O governo de Bukele passa a custodiar o grupo de imigrantes de outro país, recebendo cerca de US$ 6 milhões dos EUA, de acordo com estimativas divulgadas pela imprensa. Em fevereiro, os dois países finalizaram o acordo conhecido também como “Terceiro País Seguro”, permitindo a El Salvador receber deportados dos EUA, ainda que não sejam salvadorenhos.
Outra ponta solta desse imbróglio está na falta de transparência sobre a identidade e a acusação contra os deportados, que agora se encontram no limbo jurídico, sob a jurisdição de Bukele. Invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros para deter e deportar imigrantes venezuelanos considerados membros da gangue Tren de Aragua é “flagrantemente ilegal”, na opinião da advogada Katherine Yon Ebright, do Brennan Center for Justice.
“Essa medida pode abrir caminho para abusos contra qualquer grupo de imigrantes que o presidente decida atingir — não apenas os venezuelanos — mesmo que estejam legalmente presentes nos EUA e não tenham antecedentes criminais”, pondera.
Coube a Bukele zombar da decisão do juiz Boasberg com um “Ops, tarde demais”, sinalizando que os deportados estavam a caminho de El Salvador e não seriam devolvidos aos EUA. E a Trump, ignorar a Justiça, agradecer ao presidente salvadorenho pela acolhida e, como o habitual, atacar o governo de seu antecessor: “Esses monstros foram enviados ao nosso país por causa do corrupto Joe Biden e dos democratas da esquerda radical.”
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