
Imagem de Milton Nascimento no documentário de Flavia Moraes sobre o artista
Reprodução / Vídeo
♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL
Título: Milton Bituca Nascimento
Direção: Flavia Moraes
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Milton Nascimento fala pouco no documentário em que a diretora Flavia Moraes enfoca a vida, a obra e a alma do artista. Mas diz muito e fala tudo com olhares e pausas que refletem a vibração intensa da alma do artista na tela do cinema, como na cena final em que Milton se enleva ao ouvir gravação do mambo Babalu (Margarita Lecuona, 1939) enquanto rolam os créditos do filme.
Em circuito a partir de hoje, 20 de março, o documentário Milton Bituca Nascimento é sinfonia de silêncios e sons que gravita em esfera celestial. A narração da atriz Fernanda Montenegro reforça a aura espiritual em que Milton é envolvido ao longo de quase duas horas de filme.
A forma é quase convencional. Estão lá os depoimentos superlativos sobre o artista, alguns dados biográficos, imagens de arquivo, fragmentos de inéditos números musicais – como a gravação de Ânima (Zé Renato e Milton Nascimento, 1982) por Tim Bernardes e Zé Ibarra com Dora Morelenbaum – e tentativas vãs de explicar o mistério personificado na figura do cantor, compositor e músico de 82 anos.
O mistério é endossado na fala de Caetano Veloso e referendado por depoimentos similares de nomes do porte de Quincy Jones (1933 – 2024), Chico Buarque, Gilberto Gil e Simone. Só que a figura e a música de Milton escapam das molduras pré-estabelecidas, e isso é o que agiganta o documentário.
Como sintetizar em palavras a alma de uma música livre que extrapola rótulos e derruba fronteiras? É mais sábio usar as palavras do próprio Milton na letra de uma canção que diz tudo sobre o Brasil do racismo e das injustiças sociais, como Morro velho. Quando Djavan, Mano Brown e Criolo recitam os versos dessa música de 1967, em imagens entremeadas com takes do solo da melodia no toque do bandolim de Hamilton de Holanda, tudo já está dito nos olhares emocionados do ícone da MPB e dos dois rappers.
Milton Nascimento fala pouco, mas diz tudo com os olhares enfocados pela diretora Flavia Moraes
Reprodução / Vídeo
O filme Milton Bituca Nascimento se eleva na tela ao retratar o artista como uma entidade respeitada em todo mundo. Wagner Tiso chora ao falar do amigo com quem teve o caminho cruzado lá no início da trajetória de ambos, em Três Pontas (MG). Chico Buarque se contém (um pouco), mas a expressão do artista ao ver na televisão o vocal sublime de Milton na introdução da canção O que será (À flor da pele) (Chico Buarque, 1976) também mostra que alguma coisa forte acontece no coração de Chico.
Com roteiro que soa como partitura que respeita o tempo do artista, o documentário foca Milton Nascimento na estrada durante a turnê mundial do show de despedida A última sessão de música (2022). A fragilidade do corpo contrasta com a força gigante da alma alimentada pela deusa música e pelo amor eterno da mãe adotiva Lilia.
“É a paixão da minha vida”, resume Milton. E nada mais precisa ser dito. Da mesma forma, os olhares afetuosos dizem mais do que palavras que saem das bocas no take amoroso que foca Milton com o filho adotivo Augusto Nascimento em um banco de Londres, cidade incluída na rota do braço europeu da turnê.
Nessa sinfonia brasileira, Milton é retratado na tela como o herói de um Brasil profundo, como diz o texto narrado com precisão por Fernanda Montenegro. Um herói que resistiu a tempos sombrios, como lembra Chico Buarque, parceiro de luta e de fé por um Brasil livre da tirania.
A força do documentário de Flavia Moraes reside na resistência do artista, já frágil, mas posto de pé a cada dia pela alma e pela música imortais. Entre silêncios e sons, Milton Bituca Nascimento ainda está aqui.
Milton Nascimento é perfilado no filme através de depoimentos de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, entre outros grandes nomes
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