
Polícia diz que a troca ocorreu após confusão por parte de uma técnica de enfermagem, mas que procedimento não tipifica crime. Meninos nasceram em outubro de 2021. Delegado conclui que troca de bebês em hospital de Inhumas não foi criminosa
A Polícia Civil concluiu que não houve crime na troca de bebês que aconteceu em um hospital de Inhumas, na Região Metropolitana de Goiânia, e pediu o arquivamento do caso. Os meninos nasceram em outubro de 2021, com 14 minutos de diferença entre os partos.
No inquérito policial, o delegado Miguel da Mota Leite Filho afirmou que a identificação dos bebês foi feita de forma correta pelo hospital. Segundo a polícia, a confusão ocorreu por parte de uma técnica de enfermagem, de 47 anos, na hora de entregar os recém-nascidos aos pais. A PC pediu o arquivamento porque considerou que o procedimento não configura crime.
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O relatório policial foi concluído no dia 18 de março. A troca dos bebês só foi descoberta em outubro de 2024, após um dos pais pedir o exame de DNA do filho. O caso só veio à tona no mês seguinte, quando a família procurou a polícia.
Ao g1, o advogado de Cláudio Alves, um dos pais que teve o bebê trocado, manifestou “perplexidade e veemente discordância” quanto à conclusão do inquérito policial, que sugere o arquivamento do caso. Para o advogado Kuniyoshi Watanabe, a gravidade dos fatos é “indiscutível”, pois houve falha nos protocolos de segurança hospitalar e que a troca configura conduta, no mínimo, culposa, “que precisa ser apurada e responsabilizada nas esferas administrativa, cível e criminal” (veja a nota completa no final da matéria).
A reportagem entrou em contato com os advogados representantes de Yasmin Kessia da Silva, ex-esposa de Cláudio, e do casal Isamara Cristina Mendanha e Guilherme Luiz de Souza Silva, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
O Hospital da Mulher de Inhumas, onde a troca aconteceu, também foi procurado, mas não houve resposta. Por não ter o nome divulgado, o g1 não conseguiu a defesa da técnica de enfermagem que teria trocado os bebês.
Meninos foram trocados após o nascimento em hospital de Inhumas, Goiás, denunciam pais
Reprodução/Arquivo Pessoal
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Entenda o caso
A troca foi descoberta após um dos casais se separar, pois Cláudio Alves solicitou um exame de DNA para comprovar a paternidade do filho. A ex-mulher, Yasmin Kessia da Silva, de 22 anos, também quis fazer o exame. “Se ele não fosse filho do Cláudio, também não era meu”, disse.
O exame foi realizado no dia 31 de outubro de 2024 e o laboratório pediu uma contraprova, que indicou que a criança não era filha de Yasmin nem de Cláudio.
Bebês foram trocados após o nascimento em hospital de Inhumas, Goiás, denunciam pais
Gilmara Roberto
“Eles disseram que o sangue do meu filho não era compatível com o meu. Eu pensei que era um erro. Mas veio a contraprova”, disse Yasmin.
A jovem se lembrou da família que estava no mesmo dia do nascimento do filho e conseguiu contato com eles por meio de um pastor. Após ela entrar em contato e contar o que houve, Isamara Cristina Mendanha, de 26 anos, e Guilherme Luiz de Souza, 27 anos, também fizeram o exame de DNA com o filho, que apresentou incompatível
As famílias ainda não têm a prova de que o filho biológico de Yasmin está com a família de Isamara. Ao g1, Cláudio afirmou que não fizeram a comprovação da paternidade dos pais biológicos porque precisa de autorização judicial. O pedido à Justiça já foi feito, mas não foi avaliado até esta segunda-feira (9).
Foto mostra que um dos bebês trocados em maternidade tinha pulseira de identificação
As famílias disseram que as mães não tiveram nenhum acompanhamento durante o parto. Elas só se lembram de ver os filhos no quarto, depois que passou o efeito da anestesia. Nenhuma delas se lembra se havia pulseiras de identificação nas crianças, mas uma foto tirada logo após o parto mostra o filho de Yasmin com um bracelete (veja acima).
A jovem disse que passou mal durante o parto e não se lembra do que aconteceu na sala de recuperação. “Eu acordei e o bebê já estava do meu lado, minha mãe estava dentro do quarto. Eu me lembro de relances”, narrou Yasmin.
Já Isamara disse que chegou ao quarto antes do bebê, que foi levado até ela logo em seguida. “Eu levei a primeira roupinha do meu primeiro filho para colocar no segundo. E para mim, veio tudo certo [a roupinha do bebê]”, contou.
O marido de Isamara afirmou que sente que faltou cuidado e respeito com as famílias por parte do hospital, que recebeu a confiança deles.
“É um pesadelo. Eu acho que ninguém deveria passar por isso. Esse é um erro que os profissionais da saúde jamais deveriam cometer”, afirmou Guilherme.
Nota do advogado de Cláudio
As famílias dos recém-nascidos trocados nesta maternidade vêm, por meio desta, manifestar perplexidade e veemente discordância quanto à conclusão do inquérito policial que sugere o arquivamento do caso.
Agora, a gravidade da situação é indiscutível. Se ambas as crianças foram devidamente identificadas pelas pulseiras hospitalares, o que reforça ainda mais a tese de que houve erro humano, negligência ou imprudência grave por parte da equipe responsável — uma vez que, mesmo diante da suposta identificação, a troca foi efetivamente consumada.
A existência das pulseiras, portanto, não excluiu a ocorrência do fato. Pelo contrário: evidência de que, apesar dos mecanismos de controle existentes, houve falha na observância dos protocolos básicos de segurança hospitalar. A correta identificação das crianças e, ainda assim, a entrega equivocada dos bebês a famílias diferentes, configura conduta, no mínimo, culposa, que precisa ser apurada e responsabilizada nas esferas administrativa, cível e criminal.
O arquivamento do inquérito não é apenas prematuro, mas também um desrespeito à dor vivida pelas famílias, que sofreram abalo emocional profundo ao descobrirem que passaram anos com filhos trocados em seus braços. Uma conduta omissiva ou negligente dos profissionais de saúde não pode ser naturalizada nem isenta de responsabilização.
As famílias mantêm confiança de que o Ministério Público dará a devida atenção aos fatos e tomará providências cabíveis para que este caso não seja encerrado sem justiça. O que está no jogo é a dignidade de duas crianças, a integridade de duas famílias, e a confiança de toda a sociedade nos serviços de saúde.
Kuniyoshi Watanabe
Nota na íntegra do Hospital da Mulher
“No momento o hospital não irá se pronunciar até que as investigações sejam concluídas. Como o caso está sob investigação policial e tramita em sigilo por envolver menores de idade, o hospital está legalmente impedido de fornecer informações acerca do caso à imprensa, em obediência à Lei Geral de Proteção de Dados.”