
Agora apenas filhos ou netos de pessoas nascidas na Itália terão direito a solicitar cidadania por direito de sangue. Reforma também inclui projeto de lei que proíbe consulados de processar pedidos. Imagem de uma passaporte italiano
Francesca Tirico na Unsplash
O governo da Itália endureceu nesta sexta-feira (28/03) a lei que concede o direito à cidadania aos descendentes de italianos nascidos no exterior. A medida deve impactar diretamente descendentes que moram no Brasil e na Argentina.
O objetivo, segundo o governo, é conter a “comercialização” do passaporte italiano e o aumento de solicitações, vindas principalmente da América do Sul – para onde milhões de italianos emigraram nos séculos 19 e 20.
“A nacionalidade não pode ser um instrumento para poder viajar para Miami com um passaporte europeu”, disse o ministro das Relações Exteriores italiano, Antonio Tajani, em entrevista coletiva depois que o Conselho de Ministros aprovou a nova legislação.
O que muda com a nova regra
A Itália concede sua nacionalidade seguindo, entre outros, o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue), ou seja, por descendência ou filiação, o que levou muitos estrangeiros, descendentes de antigos emigrantes italianos, a reivindicá-la.
Pelas regras atuais, qualquer pessoa que consiga provar que teve um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália foi criado, pode solicitar a cidadania. Dessa forma, não havia limite de gerações para solicitar cidadania por sangue.
Mas o decreto aprovado nesta sexta-feira muda esta orientação e estipula que os descendentes de italianos nascidos no exterior só receberão a cidadania automática por duas gerações: ou seja, se pelo menos um dos pais ou avós tiver nascido na Itália.
Com isso, mesmo quem seja filho ou neto de brasileiros que obtiveram a cidadania italiana anteriormente, mas não nasceram no país europeu, não poderá solicitar o benefício.
As regras valem para novos pedidos apresentados a partir de 0h desta sexta-feira, no horário italiano. Ou seja, apenas quem protocolou um pedido até as 19h59 do dia 27 de março, no horário do Brasil, está sujeito à norma antiga. Nada muda para quem já possui a cidadania ou o passaporte italiano.
“A partir da meia-noite você não poderá mais solicitar a cidadania com as regras antigas, mas somente se tiver até avós italianos”, disse o ministro, em declaração publicada pelo jornal italiano Corriere Della Sera.
O decreto tem força de lei e vale por 60 dias, período que o parlamento italiano deve analisá-lo e mantê-lo, ou descartá-lo. A coalizão de direita liderada pela primeira ministra Giorgia Miloni, porém, detém maioria no Legislativo e vem se mostrando favorável a políticas anti-imigração.
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Outras mudanças serão discutidas no parlamento
Na segunda fase da reforma proposta pelo governo italiano, um projeto de lei será apresentado para obrigar que os italianos nascidos ou residentes no exterior mantenham vínculos reais com o país europeu, exercendo seus direitos e deveres na Itália pelo menos uma vez a cada 25 anos.
Isso muda o atual modelo, que não obriga qualquer comprovação de vínculo com o país europeu após solicitada a cidadania.
A reforma também inclui um segundo projeto de lei que vai revisar o procedimento de reconhecimento de cidadania. A nova regra obrigará os interessados em obter a cidadania a apresentar seu pedido diretamente ao Ministério das Relações Exteriores da Itália, em Roma, não sendo mais possível aplicar nos consulados locais.
Diferente do decreto, os dois projetos de lei precisam ser aprovados pelo Parlamento Italiano para terem validade, mas consulados italianos em diversos países, incluindos o Brasil, já informaram que vão suspender temporariamente os pedidos até segunda ordem.
O governo argumenta que a proposta vai aliviar os consulados e prefeituras italianas de processar milhares de pedidos que chegam todos os anos. Atualmente, ao menos 60 mil solicitações estão em análise pela burocracia italiana.
Governo critica comercialização do passaporte e salto de pedidos
O ministro Antonio Tajani afirmou que o número de italianos nascidos ou residentes no exterior aumentaram 40% na última década, de 4,6 milhões para 6,4 milhões. Na América do Sul, o número de descendentes com nacionalidade reconhecida passou de 800 mil para mais de dois milhões nos últimos 20 anos.
Na Argentina, os pedidos de cidadania italiana concedidos passaram de 20.000, em 2023, para 30.000 em 2024. No Brasil, as solicitações aprovadas saltaram de 14.000 em 2022 para 20.000 no ano passado. No país, há diversos relatos de cidadãos que aguardam anos na fila do atendimento para conseguirem solicitar o benefício. Na Venezuela foram quase 8.000 pedidos aprovados em 2023.
A Itália tem uma população de cerca de 59 milhões de pessoas, que vem diminuindo na última década. O Ministério das Relações Exteriores estimou que, sob as regras antigas, de 60 a 80 milhões de pessoas no mundo poderiam ser elegíveis para a cidadania italiana.
Tajani defendeu ainda que a norma combate empresas que lucram ao ajudar pessoas a rastrear seus ancestrais e buscar certidões de nascimento necessárias para os pedidos – sobrecarregando os cartórios municipais com demandas por documentação.
“Estamos agindo de forma muito rigorosa contra aqueles que querem ganhar dinheiro com a oportunidade de se tornarem cidadãos italianos”, disse Tajani.
“Infelizmente, nos últimos anos, houve abusos que foram além do interesse real em nosso país”, continuou o ministro.
Novas regras de imigração
As críticas sobre o atual modelo de cidadania por ancestralidade partem principalmente de movimentos conservadores, que afirmam que o sistema é injusto, pois concede o benefício a pessoas sem vínculo significativo com a Itália. Por outro lado, filhos de imigrantes nascidos e criados na no país, precisam esperar até os 18 anos para poder solicitar um passaporte.
O novo decreto segue políticas anunciadas pela premiê italiana, Giorgia Meloni, que lidera um partido de ultradireita. Também nesta sexta-feira, seu gabinete afirmou que usará duas instalações administradas pela Itália localizadas perto da costa da Albânia como centros de deportação.
As unidades foram abertas em outubro passado como centros de processamento para possíveis solicitantes de asilo que tenham sido interceptados no mar, um projeto experimental que está sendo observado de perto pela União Europeia.
Mas os ministros de Meloni concordaram que os centros agora servirão principalmente como instalações de repatriação para manter os migrantes que devem ser enviados de volta aos seus países de origem.
A mudança faz com que migrantes que já chegaram às costas italianas possam ser enviados para um país não pertencente à UE para aguardar suas repatriações.