Harpia vocaliza dentro de recinto e atrai outras duas aves em reserva de São José do Rio Claro, MT


Indivíduos começaram a aparecer em galhos próximos ao local de reabilitação. Harpia vocaliza dentro de recinto e atrai outras duas aves em reserva de São José do Rio Claro, MT
Reserva Ecológica Cunhataí Porã
O que era para ser apenas um período de recuperação silencioso acabou se transformando em uma cena emocionante no coração do Brasil Central. Uma jovem harpia (Harpia harpyja), abrigada em um recinto de reabilitação na Reserva Ecológica Cunhataí Porã, em São José do Rio Claro (MT), passou a vocalizar de forma constante e acabou atraindo outras duas harpias da floresta para as redondezas.
As aves começaram a aparecer nos galhos próximos ao recinto nos últimos dias. Uma delas, já identificada visualmente, é uma fêmea adulta
O trio virou motivo de celebração entre os responsáveis pela reserva, que não escondem a emoção com o que têm testemunhado.
De acordo com o Wikiaves, há apenas dois registros fotográficos da espécie no município de São José do Rio Claro (MT), ambos realizados em 2018
José Roberto Guido Mendez/Reserva Ecológica Cunhataí Porã
“Ela ficou vocalizando e, de repente, começaram a aparecer outras. Primeiro uma, agora são duas”, conta o proprietário da reserva, Iraceldo Luiz de Cesaro, conhecido como “Gauchinho“.
“É muito bacana. A gente cuida disso aqui há tanto tempo, e aí ver isso acontecendo. Quase ‘caí das pernas’ quando vi”, diz, emocionado.
O registro torna-se ainda mais especial considerando que, em São José do Rio Claro, quase não há ocorrências documentadas de harpias. De acordo com o Wikiaves, há apenas dois registros fotográficos da espécie no município, ambos realizados em 2018.
As harpias necessitam de grandes áreas para sobreviver e, por isso, costumam defender com firmeza seus territórios
José Roberto Guido Mendez/Reserva Ecológica Cunhataí Porã
A harpia resgatada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) chegou à Cunhataí Porã com dificuldades de voo.
Ainda jovem, o indivíduo está passando por cuidados e acompanhamento até que possa, eventualmente, ser devolvido à natureza. Mas o que ninguém esperava era que seu comportamento vocal desencadearia uma interação tão surpreendente.
A chegada de um novo exemplar, mesmo em cativeiro, pode ser suficiente para provocar uma reação das aves dominantes na região
José Roberto Guido Mendez/Reserva Ecológica Cunhataí Porã
Voz fina, mas poderosa
Segundo Fredy Pallinger, naturalista e especialista em aves de rapina, a harpia tem um repertório vocal que impressiona pela potência e alcance. Os sons, por serem mais finos, se propagam com facilidade pela mata – o que pode explicar a chegada dos visitantes.
Harpia tem repertório vocal que impressiona pela potência e alcance
José Roberto Guido Mendez/Reserva Ecológica Cunhataí Porã
“Elas têm essa capacidade de emitir sons que ecoam longe. Isso pode atrair outros indivíduos por curiosidade, por defesa territorial ou até por instinto social”, afirma Fredy.
“Elas são extremamente territorialistas e podem interpretar a vocalização como uma possível ameaça ou novidade em seu domínio”, completa.
Território e hierarquia
Fredy explica que a harpia abrigada na reserva deve ter por volta de três a quatro anos – ou seja, ainda não atingiu a plumagem definitiva, algo que ocorre apenas a partir dos seis anos nos machos e entre sete e oito anos nas fêmeas.
Harpias são extremamente territorialistas e podem interpretar a vocalização como uma possível ameaça ou novidade em seu domínio
José Roberto Guido Mendez/Reserva Ecológica Cunhataí Porã
Já a fêmea observada nas árvores vizinhas aparenta ser um exemplar adulto, com plumagem completa e comportamento de alerta.
O especialista aponta que a fêmea não demonstrou atitudes tipicamente associadas ao reencontro entre parentes ou membros de um mesmo grupo.
“Ela ficou com o bico aberto, coroa erguida…são sinais de que está cismada, desconfiada. Se fosse uma mãe, por exemplo, provavelmente teria se aproximado mais, vocalizado com mais frequência. Então, o mais provável é que esteja apenas reagindo à presença de um indivíduo estranho no território”.
Ainda de acordo com ele, as harpias necessitam de grandes áreas para sobreviver e, por isso, costumam defender com firmeza seus territórios. A chegada de um novo exemplar, mesmo em cativeiro, pode ser suficiente para provocar uma reação das aves dominantes na região.
Reserva se torna ponto de reencontro com a floresta
Localizada no encontro entre a floresta amazônica e o cerrado mato-grossense, a Reserva Cunhataí Porã possui mais de 3.000 hectares de floresta preservada e é um espaço dedicado também à reabilitação e soltura branda de animais silvestres.
Já passaram por ali espécies como araras, papagaios, tamanduás, lobo-guará e antas. Agora, é a vez das harpias ganharem protagonismo.
A vocalização da jovem ave resgatada não apenas rompeu o silêncio da floresta, mas também provocou um momento de aproximação entre indivíduos da espécie. Ainda não se sabe por quanto tempo esse trio continuará por perto, mas, para quem cuida da reserva, o acontecimento já entrou para a história.
“É o resultado de tudo o que a gente faz para preservar. A natureza tem dessas coisas: responde, surpreende e, às vezes, emociona”, conclui Gauchinho.
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