
Em São Paulo, postos de saúde fazem encontros sobre como planejar o tamanho da família. Número de laqueaduras feitas no Brasil é o dobro do de vasectomias
O Sistema Único de Saúde tem números que comprovam que a responsabilidade pelo planejamento familiar recai muito mais sobre as mulheres no Brasil.
A cabeleireira Gabriela Ramalho Barros e o engenheiro civil Jefferson Souza Nascimento tiveram a Isadora há quatro anos. Uma gravidez planejada que trouxe uma alegria imensa para a família. Mas o casal decidiu que queria parar por aí e optou por um método definitivo para evitar a gravidez. Na hora de escolher quem faria a cirurgia, sobrou para Gabriela.
“Eu perguntei se ele queria fazer a vasectomia, aí ele ficou meio assim, porque todo homem tem um pouco de receio de fazer. Aí eu falei: ‘Não, então está bom. Vou fazer o planejamento e eu faço a laqueadura’”, conta Gabriela.
“A gente fica inseguro, na verdade. Então, passa essa bola para Gabi mesmo que é melhor”, diz Jefferson.
A conversa também foi por essa linha na casa da técnica de enfermagem Lizandra Silva:
“Não quis, falou que é arriscado para homem, que acha melhor eu fazer. Ele não quis fazer”.
Pela primeira vez, um instituto de planejamento familiar reuniu dados do SUS sobre os principais métodos contraceptivos, e o levantamento revelou que a responsabilidade de evitar filhos recai majoritariamente sobre as mulheres em todo o Brasil. O número de esterilização feminina, por exemplo, é o dobro desse tipo de procedimento feito em homens.
Número de laqueaduras feitas pelo SUS mostra que responsabilidade do planejamento familiar recai mais sobre a mulher
Jornal Nacional/ Reprodução
Até o primeiro semestre de 2024, as mulheres fizeram 380 mil laqueaduras, enquanto os homens, 159 mil vasectomias em todo o país pelo SUS. O Maranhão tem a diferença que chama mais atenção: foram 18 mil laqueaduras e 350 vasectomias. E é também o estado com o maior número de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. Santa Catarina foi o único estado brasileiro em que o número de vasectomias superou o de laqueaduras.
A procura aumentou depois que uma lei – que entrou em vigor há dois anos – reduziu de 25 para 21 anos a idade mínima para esterilização no Brasil.
“Quando a gente consegue entender as realidades, as necessidades de cada município, a gente tem condições de direcionar ações, políticas públicas focadas, mais eficazes. A nossa análise é de que a gente de fato precisa trabalhar a responsabilização do homem na reprodução e na parentalidade”, afirma Lilian Leandro, diretora-executiva do Instituto Planejamento Familiar.
Em São Paulo, os postos de saúde fazem encontros sobre como planejar o tamanho da família. Quem geralmente procura esse serviço é a mulher. Mas a equipe do Jornal Nacional encontrou o técnico em edificações Vinícius Moreira da Paixão em uma dessas reuniões. Ele vai fazer o procedimento de graça pelo SUS.
“Nós conversamos sobre não ter mais filhos, porque já tenho e ela também, e eu cheguei à conclusão de que eu iria fazer vasectomia por ser mais fácil”, conta Vinícius.
A médica Paula Vieira diz que a falta de interesse pela vasectomia é cultural e explica que, para eles, ao contrário do que muitos pensam, o procedimento é muito mais simples.
“A laqueadura está ali relacionada com uma internação hospitalar, um procedimento cirúrgico, uma anestesia. Enquanto para os homens, nós estamos aí um procedimento ambulatorial”, diz a ginecologista e obstetra Paula Vieira.
Se o Jefferson tivesse buscado essas informações antes…
“Eu me arrependi de não ter feito a vasectomia, pensando no bem-estar da Gabriela”, diz Jefferson.
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