Criadora do ‘hip roça’, dupla Us Agroboy soma fãs e haters com mistura do sertanejo ‘raiz’ ao rap: ‘Se só falam bem, você fez algo errado’


Jota Lennon e Gabriel Vittor receberam o g1 para conversar sobre a identidade da dupla, as referências de outros gêneros e o sucesso mesmo com uma avalanche de críticas: ‘Ninguém é obrigado a gostar’. enquanto
US Agroboy somam fãs e haters com mistura do sertanejo ‘raiz’ ao rap
O que poderia sair da junção entre um violeiro e um cantor com referências no rap? Os estereótipos fariam muita gente cair na armadilha de dizer que daria qualquer coisa, menos uma dupla. Mas deu. A paixão em comum pela música sertaneja uniu Jota Lennon e Gabriel Vittor para que eles criassem algo inédito no gênero e o que, segundo eles próprios, era “chance zero” de dar certo virou Us Agroboy, uma “loucura” de R$ 4,1 milhões de ouvintes nas plataformas e que chegou ao sucesso mesmo em um estilo musical, às vezes, resistente a mudanças.
Us Agroboy é um dos expoentes de um movimento recente no sertanejo que ficou conhecido como “agro”, que exalta as vivências do campo, e revelou ao Brasil nomes como Ana Castela e Luan Pereira. A junção de perfis diferentes criou um produto que une o modão “bruto e raiz” com nuances de funk, eletrônico, rap, trap e hip hop – este último que fez até eles virarem os criadores do conceito de “hip roça”.
Jota Lennon e Gabriel Vittor receberam o g1 para uma conversa exclusiva em Holambra (SP), onde moram, e detalharam o início da parceria, em Fronteira (MG), primeiro como compositores, as identidades de diversos gêneros musicais que pavimentaram a estrutura da dupla, e como lidam com a experiência oposta de quebrar paradigmas e ganhar milhões de fãs, mas, ao mesmo tempo, ver chegar os haters que fazem questão de criticar a disruptura. [assista ao vídeo acima]
Eu, com o tempo, comecei a entender sobre isso. Se tiver só pessoas falando bem de você, você tá fazendo alguma coisa errada. Se tiver só falando mal, também não é legal. Mas, cara, quando tem gente falando bem e gente falando mal, é aí que gera a divergência de opinião. Então, a gente precisa de ter hate, é muito importante. Eu gosto de ter, hoje em dia eu gosto de ter
O público em geral eu acho de boa [criticar], mas acho que dos profissionais que estão ao nosso redor, eu sinto um pouco mais, porque são amigos de profissão, sabe? As pessoas que estão no mesmo globo, eu não entendo muito bem, porque não precisa, né? Estamos no mesmo ecossistema de se ajudar. Se der bom, a gente tá ali captando novos públicos pro sertanejo, de gente usando bota, usando chapéu, de estar ali na mesma
Jota Lennon e Gabriel Vittor, conhecido também como “Indião”, dividem a essência sertaneja, mas por caminhos diferentes. O primeiro, quando criança, foi locutor de rodeio, incentivado pelo pai, enquanto que o segundo é violeiro e apaixonado por modas das mais antigas. Entretanto, a pré-disposição a “abrir a cabeça” para outros gêneros e a ousadia de inovar fizeram a dupla viajar por territórios que antes não haviam sido explorados.
Quem percorre o perfil no Spotify da dupla encontra, sim, muita música sertaneja, mas também acha uma enxurrada de feats com artistas dos mais diversos gêneros, mistura com batidas eletrônicas, funk, e muitas canções com versos de rap – paixões de Jota. A novidade captou novos públicos para os artistas, principalmente os jovens, com o auxílio das “dancinhas do Tik Tok”, mas acendeu o alerta de quem jura que eles não têm nada de sertanejos.
Us Agroboy
Estevão Mamédio/g1
“Isso é uma parada que sempre mexeu muito comigo, porque tipo assim, cara, como que está falando que o Jota não é sertanejo? Como fala que eu não sou sertanejo? Olha a minha trajetória. Olha a trajetória do Jota. Com o tempo, a galera foi se aprofundando mais. Eu comecei também, ao invés de brigar, sugerir para a pessoa: ‘Olha, você não gostou dessa música, tudo bem, mas escuta essa aqui, pesquisa aí’. Aí a pessoa volta e fala: retiro o que eu disse”, afirmou Gabriel.
“Ninguém é obrigado a gostar. Eu tenho outras prioridades, né? Tem que dar mais valor para a galera que gosta. Porque, você imagina, gente que passa o mês inteiro se programando para ir num show. A pessoa do fã clube perde o dia inteiro respondendo os haters, e você, em vez de responder a pessoa que tá ali com você, você responde o hater? Então eu tento gastar mais energia com essa galera que abraça a causa”, completou Jota.
‘Como o público vai aceitar’?
O início da parceria de Us Agroboy foi na composição. Jota e Gabriel têm uma “caneta” que já soma grandes sucessos. Os dois reúnem canções gravadas por Zé Neto e Cristiano, Marília Mendonça, Gusttavo Lima, além da música “Boiadeira”, que revelou Ana Castela ao Brasil. Eles encontraram no nicho do “agronejo” o segredo para colocar o nome na história de um gênero que passou, ao longo de quase 100 anos de história, por grandes mudanças.
A vertente do “agro” se resume em uma ideia de sertanejo bruto, com vozes graves e uma valorização da vida na roça e ostentação das conquistas do produtor rural que atingiu a riqueza. Foi nesse caminho que eles se encontraram, primeiro como compositores em 2017 e, depois, como dupla, a partir de 2021.
“Quando a gente formou a dupla eu pensei: cara, como é que o povo vai aceitar um cara que vem do rap e do funk, como o Jota, juntado com um cara que é violeiro, mais sertanejo, como eu? A probabilidade é zero. Mas, graças a Deus, a galera entendeu que era um estilo. ‘Us Agroboy’ eu falo que é tudo também, é sertanejo, é rap, é funknejo, é modão, é raiz também. Eu já tinha batalhado tanto. Nem pensava mais em fazer dupla. Mas tava na minha cara a dupla e eu não via”, lembrou Gabriel.
“Na época eu falei para o ‘Indião’: fiquei sabendo que se a gente tiver 100 mil ouvintes mensais, é R$ 3 mil mais ou menos que dá por mês. Na pandemia, a gente quebradão, é R$ 1,5 mil para cada um. Se esse trem der bom, nós continuamos o projeto”, contou Jota.
E deu certo. Os 100 mil ouvintes mensais viram 4,1 milhões desde a criação da dupla. Gabriel Vittor é de Goiânia (GO), enquanto que Jota é mineiro de Fronteira. Primeiro, os dois se mudaram para Londrina (PR), berço do “agronejo”, e agora vivem no interior de São Paulo para facilitar a logística e ficar mais perto dos atuais empresários.
US Agroboy
Reprodução
Hip roça?
O fio condutor e o ponto de partida de toda essa mistura de estilos, além das referências de cada um, foram o gosto em comum pelo rapper Hungria. As múltiplas inspirações fazem a dupla ir, em um piscar de olhos com um violão na mão, do modão mais raiz ou romântico até versos de rap e funk ou canções do próprio Hungria [confira você mesmo no vídeo].
A sonoridade e as letras inspiraram Jota e Gabriel a criar o conceito ao qual hoje eles são considerados “os pais”. “A gente sempre foi muito fã em comum do Hungria. Tanto que a gente escreveu outra música que foi inspirada numa música dele, né, que é o ‘Agro Nunca Para’, que tem essa pegada de hip-hop. Aí eu falei assim: já que é um hip-hop da roça, vamos pôr hip-roça aí”, relatou Gabriel.
“Estava nessa parada de exaltar a favela, e eu pensei: a gente também poderia levantar a bandeira do agro, da galera da roça, e a gente veio nessa proposta para dar fala para essa galera aí que tanto luta. Tem muito produtor rural que tá começando, enfrenta os desafios, outros que já são grandes e também enfrentam do mesmo jeito. Eu acho que estava faltando no sertanejo gente para falar desse assunto. E, graças a Deus, a gente conseguiu captar novos públicos, principalmente o mais jovem, que captou bem a mensagem junto com a batida, porque uma novidade no nosso som que agrega muito é a batida junto com a nossa letra”, disse Jota Lennon.
Cantor João Carreiro morreu no dia 3 de janeiro de 2024
Divulgação
Morte de João Carreiro e o futuro
Uma das principais referências da dupla na música sertaneja é João Carreiro, que morreu em janeiro de 2024, após uma cirurgia para colocar uma válvula no coração. A partida abala até hoje a dupla, principalmente Gabriel, que tinha em João a grande inspiração e o melhor amigo. O compositor chegou a mandar uma mensagem para ele na véspera da morte, brincando que, “se empacotasse, voltaria para perturbá-lo”.
“Não consigo ouvir as músicas dele como ouvia antes. Nem as composições nossas. Mexe muito ainda. A gente canta músicas dele no show, nunca vamos parar de cantar. Vamos regravar coisa dele também. Sinceramente, não é fácil superar. Isso aí me prejudicou um pouco em questões psicológicas, eu já trato de síndrome do pânico e depressão já tem 10 anos. Então, a perda do João eu senti como a perda do meu avô, primeira pessoa da minha vida que eu perdi”, lamentou.
Em meio a se acostumar com a perda do ídolo, a avalanche de fãs e haters e a curtição do sucesso, “tanto em festas grandes quanto em shows pequenos no interior do Brasil”, como eles mesmo definem – a dupla vai experimentando e subindo degraus. Depois de lançar um EP novo em janeiro, os cantores já miram os novos projetos e têm a certeza de que, mesmo com as críticas, estão no caminho certo.
“Teve uma mulher que chegou no camarim esses dias e falou que tinha perdido a filha há alguns meses e disse que a nossa música é que curou ela da depressão. Então, às vezes, vem coisas que a gente nem imagina. Música é isso aí. Às vezes você não gosta da minha música, mas ela tá fazendo diferença na vida de alguém”, finalizou “Indião”.
US Agroboy
Reprodução
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