
Na prática, é preservado o uso do espaço — ou seja, o local onde fica o cinema precisa ser mantido com o objetivo de garantir a continuidade da função cultural. O anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, que encerra as atividades em 16 de fevereiro, após 28 anos no mesmo lugar.
Divulgação
O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) decidiu, na tarde desta segunda-feira (14), pela preservação do uso da área do Espaço Augusta de Cinema e do Café Fellini, na Rua Augusta, no Centro.
O local foi enquadrado como Área de Proteção Cultural (Zepec – APC). A análise já durava dois anos. Nesse tipo de enquadramento, é definida a preservação do uso, ou seja, o espaço tem como foco específico a preservação e valorização de imóveis destinados a formação, produção e exibição pública de produtos culturais e artísticos, como teatros e cinemas de rua, circos, centros culturais, residências artísticas e similares.
Na prática, é preservado o uso do espaço — ou seja, neste caso, o espaço em que fica o cinema precisa ser mantido de forma a garantir a continuidade da função cultural.
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Demolição
No início de dezembro do ano passado, o Conpresp, responsável pela preservação do patrimônio histórico no município, havia autorizado a demolição do local.
O órgão tomou a decisão com base em relatório do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-SP) e abstenção dos representantes da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento. A autorização ocorreu mediante o envio de relatório das obras de quatro em quatro meses.
Para o juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, no entanto, o projeto da construtora Via 15 Empreendimentos Imobiliários, aprovado no Conpresp, precisa garantir não apenas a construção de um cinema com fachada ativa, mas também o cumprimento da função cultural do espaço.
A demolição, então, foi suspensa em janeiro deste ano.
Atualmente chamadas de Espaço Petrobras de Cinema, em outubro de 2024, as duas salas receberam a pré-estreia do filme “Ainda Estou Aqui”, do cineasta Walter Salles, ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional.
Pré-estreia do filme ‘Ainda Estou Aqui’ no Espaço Petrobras de Cinema
Reprodução
Venda do imóvel em 2022
O imóvel foi vendido em 2022 e, desde então, cinéfilos e frequentadores se mobilizaram contra o fechamento e chegaram a arrecadar mais de 50 mil assinaturas em abaixo-assinado contra a demolição.
Em fevereiro de 2023, a Justiça de São Paulo aceitou parcialmente o pedido do Ministério Público de São Paulo em uma ação contra a demolição.
O juiz da 10ª Vara de Fazenda Pública, Otavio Tokuda, concordou em proibir a demolição e a construção de um novo empreendimento imobiliário ou comercial nos edifícios em que funcionavam o cinema e o café. No entanto, ele autorizou a desocupação do local, desde que não haja “qualquer modificação das características arquitetônicas até o pronunciamento administrativo definitivo do Município de São Paulo quanto ao tombamento”.
Para embasar a decisão, o juiz ressaltou que a ausência de decisão da prefeitura sobre o interesse histórico dos imóveis não impede que o novo proprietário, num ato de impulso, promova a demolição das edificações, mesmo que não exista um alvará que libere uma possível obra.
Ele apontou, contudo, que o pedido de manutenção do funcionamento do Café Fellini e do Anexo do Espaço Itaú de Cinema até a decisão do Conpresp não era da competência do Ministério Público, já que se trata de uma relação estritamente privada de locação.
Em março de 2023, o anexo foi reconhecido como Zonal Especial de Preservação Cultural – Área de Proteção Cultural (Zepec-APC), o que obrigou a construtora a incluir as salas de cinema como fachada ativa no projeto do empreendimento, depois aprovado pelo órgão de preservação.
Agora, a incorporadora Vila 11 prevê construir novas salas de cinema no térreo e primeiro andar, com acesso público da calçada.
Primeira tentativa de fechamento
A previsão inicial era a de que o cinema fechasse as portas para o público em março de 2023 depois de 28 anos.
Para encerrar as atividades, a curadoria decidiu exibir o filme “A última Floresta”, de Luiz Bolognesi, em duas sessões gratuitas que marcarão o fim definitivo daquele espaço, que desde 1995 era o point cinematográfico mais querido da cena paulistana.
O documentário de Bolognesi conta a história de resistência do povo Yanomami na terra indígena do Norte do País e aborda os constantes conflitos com garimpeiros, grileiros de terras e fazendeiros, para proteger a área deles, demarcas por lei. O filme coleciona uma série de premiações relevantes no Brasil e no mundo. Entre eles, o Prêmio do Público no Festival de Berlim e Melhor Filme no Festival de Seul.
Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo.
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Cinema
Em comunicado distribuído à imprensa, o Espaço Itaú de Cinema, até então responsável pelas salas, lamentou o fim das atividades no imóvel alugado em março de 1995 e lembrou que a chegada do cinema na Rua Augusta ajudou a revitalizar a região através da cultura. Antes, a vida noturna do entorno era caracterizada apenas pela prostituição.
“Adhemar Oliveira inaugurou o Espaço Augusta em outubro de 1993 – na época patrocinado pelo Banco Nacional. O cinema foi o primeiro a apostar na iniciativa de exibir cinematografias independentes do mundo todo, além de promover a formação de público através de cursos e projetos como o Escola no Cinema, Sessão Cinéfila e Clube do Professor. Credita-se ao cinema a revitalização da rua Augusta. O comércio do seu entorno, como lojas, bares e restaurantes, foi estimulado pelo expressivo número de frequentadores do cinema”, disse a empresa.
O Café Fellini, que fica no jardim do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, no Centro de SP.
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“O Anexo – salas 4 e 5 – foi aberto em um sobrado bem à frente da sede, em março de 1995. O aconchegante cinema acolheu projetos cinematográficos importantes como o Curta às Seis, que diariamente projetava curtas-metragens brasileiros em sessões gratuitas na sala 4, e cursos do Escola no Cinema destacando a história e o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, os movimentos da cinematografia mundial e filmografias de diretores consagrados. A Mostra Internacional de Cinema exibiu ali inúmeros filmes, realizou debates com cineastas e promoveu o ciclo de depoimentos com personalidades da cultura ‘Memórias do Cinema’”, completou.
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Em maio de 2022, quando a incorporadora deu o prazo até fevereiro de 2023 para o Anexo deixar o espaço, o gestor do cinema, Adhemar Oliveira, conversou com a TV Globo.
“É uma perda que não é uma perda individual, porque você viu ao longo do tempo, você presenciou, conviveu com ‘n’ artistas e pessoas que conviviam com a arte. O medo que bate não é um local, é que isso pode ser a expressão de outros locais se perderem. Quando você olha o tecido social de uma cidade, todo mundo admira Paris, mas não toma os cuidados que Paris toma para permanecer com seu modo de vida, para fazer do turismo o seu modo de vida”, afirmou Adhemar Oliveira, ano passado.
O cineasta Ugo Giorgetti também falou na época sobre a importância do espaço: “Os cinemas que você pode circular como de nível, não passam de 12 salas, 13 salas. Então, quando você perde duas salas, é uma perda muito grande”.
“Quando você pensa, você pensa no imediato, vai fechar um cinema. Mas não é que vai fechar um cinema, fecha a memória do Goethe, fecha a memória de muitos filmes, e depois tem as memórias pessoais. Quantas pessoas você conheceu lá, que influenciaram a sua vida, que, talvez, transformaram sua vida?”, declarou.
Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo.
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