
Com seus 180 quilômetros de extensão em linha reta, o Rio Sorocaba abriga 80 espécies de peixes e a pesca é permitida em alguns trecho, inclusive em Sorocaba (SP). Especialistas ouvidos pelo g1 orientam sobre a prática segura para o pescador e para o rio. Rio Sorocaba tem 180 quilômetros de extensão em linha reta e é o principal afluente da margem esquerda do Rio Tietê
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
Tema de diversas pesquisas, encontros e palestras, a biodiversidade do Rio Sorocaba ainda rende debates entre especialistas. Mas se existe algo que a maioria concorda é sobre a necessidade de preservar a biodiversidade que existe ao longo de todo o rio.
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Com 180 quilômetros de extensão em linha reta, o manancial é o principal afluente da margem esquerda do Rio Tietê. Nasce na Serra de São Francisco, em Ibiúna, e é formado por três rios: Sorocabuçu e Sorocamirim e Uba, que se juntam com outras pequenas nascentes até o primeiro represamento, na Represa de Itupararanga, em Votorantim (SP).
O rio corta as cidades de Iperó, Tatuí, Boituva, Cerquilho, Jumirim e deságua no Rio Tietê, em Laranjal Paulista (SP).
“Ele deságua no Tietê, mas não recebe água do Rio Tietê. Ao contrário, o Rio Sorocaba que fornece a água para o Tietê. O curso é esse. Uma água, inclusive, de muito melhor qualidade do que a própria água do Tietê”, explica Welber Sentio Smith, especialista em ciências biológicas e autor de livros sobre o Rio Sorocaba.
Foram cerca de 13 anos de investimento para recuperar o trecho do Rio Sorocaba que passa pela cidade com o mesmo nome. Em 2018, a prefeitura divulgou que o Sistema Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (Saae) investiu 180 milhões de reais no Programa de Despoluição do Rio Sorocaba desde o início do projeto. Para despoluir o Rio, foi feita a coleta, afastamento, bombeamento e tratamento de todo o esgoto produzido na cidade.
Desde então, o rio voltou a ser lar das mais variadas espécies. As margens se tornaram mais convidativas aos moradores, com mais árvores, frutos e sombra. Logo, as aves também voltaram a marcar presença.
Aves piscívoras podem ser vistas às margens do Rio Sorocaba
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
Segundo Welber, um estudo identificou a presença de 80 espécies de peixes que vivem no rio, isso só no município de Sorocaba (SP). Entre as espécies mais comuns, estão o tambiú, lambari, tambiú, cará, a traíra e o bagre. Os peixes atraem pescadores em busca de alimento e em um determinado do trecho do rio é permitido pescar, mas é necessário seguir algumas regras (entenda mais abaixo).
“Eu pesquiso o Rio Sorocaba há pelo menos 30 anos e a gente percebe uma melhora gradativa na qualidade da água do rio desde então. Ele saiu de uma situação muito ruim e se tornou um rio bem saneado, com qualidade ambiental”, ressalta o especialista.
Não é só a qualidade da água do rio que passou por mudanças. A relação dos habitantes da cidade com o manancial também mudou. “Com a urbanização, essa boa relação entre os habitantes de Sorocaba e o rio foi mudando. Na metade do século 1920, começaram a despejar esgoto no leito. O rio começou a ser visto como algo mais distante da realidade urbana”, explica Welber.
Welber Sentio Smith, especialista em Ciências Biológicas e autor de livros sobre o Rio Sorocaba
Arquivo Pessoal
Apaixonado pelo rio e pela pesca
Quem acompanhou de perto parte significativa dessa transformação no Rio Sorocaba foi o pescador Ailton Martins de Campos, de 62 anos, que pesca no manancial desde a década de 1970.
Quando ainda trabalhava, a rotina de Ailton era ir para a beira do rio após o expediente e finalizar o dia tentando capturar algum peixe. Agora, aposentado, pescar virou a ocupação principal do dia a dia.
“Eu não costumo usar armadilhas para tirar peixe do rio, a minha pesca é natural. Gosto de pescar na vara de mão, anzol comum e sem apelação. Para eu pegar o peixe, ele tem que se alimentar, para eu ter o direito de comer o peixe, eu tenho que alimentar ele primeiro,” detalha Ailton.
Ailton se alimenta dos peixes pescados no Rio Sorocaba e vê na prática uma opção de lazer
Arquivo Pessoal
A pesca não é só um esporte para ele, é também fonte de alimento. “Se o peixe for pequeno demais, eu solto. Agora, depende do tipo de peixe, tem alguns que são grandes, mas não são legais pra comer, o sabor altera. Já pesquei um barbado, foi uma das espécies mais diferentes”, relembra.
A relação do pescador com o Rio Sorocaba, além de antiga, é marcada pelo respeito que o homem diz ter pela natureza.
“Eu faço o que acho certo, preservo o Rio Sorocaba. Retiro lixo que encontro na beira. Sempre levo um saco e vou recolhendo os lixos para não irem pra água. Tem muito pescador que vai para o rio, mas parece que eles ficam presos durante a semana toda dentro de uma empresa e quando tem liberdade não sabe se comportar. Onde ele vai, deixa lixo e vem embora, não quer nem sabe”, desabafa.
O aposentado aponta que muitos pescadores não respeitam o Rio e deixam lixos nas margens
Arquivo Pessoal
Relação distante
Rio Sorocaba, no século 20, era usado para o transporte de mercadorias e para a pesca
Museu Histórico Sorocabano
Diferentemente de Ailton, que enxerga o Rio Sorocaba como um lugar de lazer, próximo do seu dia a dia e que merece cuidados, muitos sorocabanos mantém uma relação distante do rio centenário.
Para Maurício Creta, professor e ecólogo, uma das formas de resgatar essa relação é por meio de ações que mostrem a importância da natureza para a vida humana e como a história do rio está ligada à história da cidade de Sorocaba.
“A gente só preserva aquilo que entendemos que tem valor. Então, na minha opinião, quanto mais as pessoas convivam com o Rio, mais elas vão querer preserva-lo. Isso é um ganho para todos”.
Maurício Creta, professor, ecólogo e pesquisador do Rio Sorocaba
Arquivo Pessoal
Pesca no Rio Sorocaba
Não é incomum passar pela Avenida Dom Aguirre, via que margeia o Rio Sorocaba, e ver pessoas sentadas à margem do leito com equipamentos de pesca. A cena pode até gerar dúvida, afinal, é fácil encontrar peixe no Rio? E pode consumir as espécies pescadas?
Os pesquisadores do Rio dizem que sim, mas apontam ressalvas.
“Tem algumas espécies de peixes que podem ser consumidas, mas sempre há riscos. Uma das formas de deixar o consumo mais seguro é sempre assar o alimento. Em hipótese alguma pescar e comer cru”, orienta Maurício.
Cerca de 80 espécies podem ser encontradas no trecho do Rio em Sorocaba, algumas atraem mais os pescadores por serem peixes maiores: “A traíra, o lambari, o cará. A tilápia e a carpa também vivem no Rio e são espécies exóticas, não são nativas do Brasil, mas também acabam sendo pescados”, aponta Smith
Para Welber, o consumo é arriscado e a orientação do biólogo é a mesma dada por Maurício.
“Apesar de não ser mais despejado esgoto no rio, existe lixo que é jogado na via, existem animais que fazem suas necessidades fisiológicas e isso tudo vai parar lá quando chove. Se for comer o peixe, precisa assar, jamais consumir cru”.
Traíra de 20 centímetros foi pescada no Rio Sorocaba
Welber Smith
Mas nem toda a pesca tem como finalidade a alimentação. Para Welber, a prática deve ser incentivada e orientada.
“É importante incentivar a pesca responsável, dentro da lei, que não traga prejuízos ao pescador e não degrade o meio ambiente. Pois quando a gente prejudica o meio ambiente, estamos destruindo a nossa casa,”
Pesca permitida
A pesca é permitida no trecho do Rio que fica entre a ponte do Pinga-Pinga e o deck do Parque das Águas. Em março, a prefeitura instalou bancos e decks no trecho, para proporcionar mais segurança aos pescadores, além de placas de sinalização sobre os locais permitidos.
Segundo a prefeitura, a permissão é feita com base nas instruções normativas nº 25 e nº 26 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Para além do trecho permitido, o pescador amador deve usar vara, linha, anzol simples (preferencialmente sem a fisga), carretilha e molinete. Não é permitida a pesca com tarrafa (rede) em nenhum dos pontos, garateia (anzóis triplos) e nenhum outro tipo de rede e armadilhas para pesca.
Outra regra a ser seguida é o período permitido para a pesca. Anualmente, a pesca fica proibida durante o período de piracema, que impõe restrições à pesca predatória para garantir a reprodução das espécies nativas.
Durante o período, praticar pesca amadora ou profissional de peixes nativos e em determinados locais é crime ambiental. Neste ano, o período se encerrou em 28 de fevereiro em todo o estado de São Paulo.
Homens pescam na beira do Rio Sorocaba
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
Autor do livro “Os Peixes Do Rio Sorocaba”, Smith analisa que além de investir em estrutura, o governo municipal precisa fazer fiscalização frequentes e promover ações que orientem os moradores e pescadores sobre práticas corretas para uso do rio.
“Uma das nossas maiores preocupações é quanto à soltura de peixes, pois quando começa a incentivar a pesca a primeira coisa que muitos governos fazem é soltar peixe no rio. Mas isso é muito prejudicial ao rio, pois você tá colocando espécies invasoras que vão mexer com todo o funcionamento natural daquele ecossistema”.
Peixe da espécie cascudo é encontrado no Rio Sorocaba
Welber Smith
Para Welber, a despoluição do Rio é um trabalho permanente.
“E que exige a cooperação do Poder Público, agentes de saneamento e da população também. Infelizmente, pela proximidade do Rio com a área urbana, ainda vemos vários trechos usados para descarte de lixo. Com a chuva, isso é levado pro Rio e mata peixes, mata outros animais, interfere no ecossistema. Então, a população tem um papel muito importante neste trabalho.” conclui o biólogo.
O g1 questionou a Prefeitura de Sorocaba sobre a fiscalização que deve ser feita para impedir a pesca ilegal e também para garantir que a população não deixe materiais às margens do rio, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
Seminário em maio
O “Dia Mundial da Migração de Peixes”, data que tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre a importância de rios livres e peixes migradores, será celebrado com evento online nos dias 23 e 24 maio, por uma universidade de Sorocaba.
O seminário “Conectando Peixes, Rios e Pessoas” vai abordar a conservação de espécies de peixes ameaçadas de distribuição restrita do Alto Paraná. O evento é gratuito, mas é preciso se inscrever pelo site.
Com o rio limpo, a pesca é permitida entre a Ponte Pinga-Pinga e o deck do Parque das Águas
Welber Smith
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