Sistema anticheias em Porto Alegre: um ano após enchente, o que mudou?


Veja o que feito nas casas de bomba, diques, comportas e sistema de drenagem para evitar uma tragédia como a de maio de 2024. Trecho do muro da Avenida Mauá em maio de 2024, onde sistema está presente
RBS TV / Reprodução
Há um ano, os temporais que atingiram o Rio Grande do Sul fizeram com que o nível do lago Guaíba chegasse a 5,35 metros, superando a cota de inundação de 3,6 metros e inundando a capital.
Quase metade dos bairros da cidade foram atingidos e mais de 160 mil pessoas sofreram com as consequências, segundo a prefeitura. A situação poderia ter sido pior não fosse o sistema anticheias, que não funcionou como deveria, concordam especialistas. Um ano depois, como está o sistema responsável por proteger a população?
📆O Rio Grande do Sul foi atingido por uma enchente histórica em maio de 2024, que provocou danos em quase todos os municípios, devastou cidades da Região Metropolitana e Vale do Taquari, retirou milhares de casa e deixou 183 mortos, além de 27 desaparecidos. De todo o país, voluntários e doadores se mobilizaram para prestar ajuda aos atingidos.
Um ano após a tragédia, a RBS TV apresenta o RBS.Doc sobre a tragédia. A reportagem conversou com pessoas afetadas, voluntários, moradores que perderam tudo e familiares de vítimas. Nos locais atingidos, encontrou exemplos de solidariedade e união, que fizeram com que o estado se reerguesse após a devastação.
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Segundo a prefeitura e especialistas ouvidos pelo g1, a cidade está mais preparada para enfrentar uma nova enchente, mas melhorias ainda são necessárias.
“O sistema ainda tem falhas, mas Porto Alegre está muito mais preparada. Se houvesse nova chuva como a de maio do ano passado, e as previsões não dizem que isso vá acontecer, até pelo cenário de estiagem que vive o estado, o impacto seria outro”, afirma o diretor-executivo do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), Vicente Perrone.
Depois de maio do ano passado, todo o sistema de proteção, composto por bombas de drenagem, diques, muros e comportas, começou a ser revisado. O estudo resultado dessa revisão deve apontar “uma solução que tem o menor risco possível de falhar no futuro”, conforme Carlos Tucci, engenheiro civil da Rhama Analysis, empresa contratada pela prefeitura para a realização do trabalho.
“Além da revisão do que está sendo feito, a gente vai propor uma modernização do sistema de proteção desde as comportas até as estações de bomba, melhorias, para ele não ter falhas como aconteceu, em parte, nesse evento”, diz Tucci.
Você vai ler na reportagem sobre:
O sistema anticheias
Melhorias feitas
Reforço no DMAE
Casas de bombas
Sistema de Proteção contra Cheias (SPCC)
Muros e comportas
Diques
Sistema de alertas
Planos para o futuro
Corrida contra o tempo
O sistema anticheias

O sistema de proteção contra enchentes de Porto Alegre foi inaugurado em 1970.
É formado por:
68 quilômetros de diques – elevações de terra, que servem como “muros” para impedir que a água dos rios entre na cidade;
14 comportas;
22 casas de bombas, equipamentos elétricos capazes de drenar a água da cidade, além do Muro da Mauá;
Muro da Mauá, no centro da cidade.
Em maio de 2024, as casas de bombas falharam: 19 precisaram ser desligadas porque inundaram ou apresentaram risco de choque elétrico. Sem a drenangem da água, bairros como Centro Histórico, Menino Deus e Cidade Baixa alagaram – só neste último, 18.231 pessoas foram atingidas.
Os estádios Beira-Rio, do Internacional e Arena do Grêmio, assim como a Estação Rodoviária, ficaram inundados. O mesmo aconteceu com o Mercado Público.
Já os diques romperam com o volume de água na Zona Norte. Bairros como Navegantes, Farrapos e Sarandi foram inundados. Foi a região mais atingida – no bairro Sarandi, 26.042 pessoas sofreram prejuízos. O Aeroporto Salgado Filho ficou debaixo d’água.
E a água do Guaíba também vazou pelas comportas, que são estruturas de metal que permitem o trânsito de pessoas e veículos por baixo dos diques ou entre as paredes do Muro da Mauá (muro de concreto com 3 metros de altura e 3 metros de profundidade no Centro Histórico).
Em marrom, área inundada pela enchente em Porto Alegre
Prefeitura de Porto Alegre/Divulgação
Para o Eber Marzulo, professor de pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está provado que o sistema não estava funcionando.
“Tu não tem uma evidência de que o sistema, pelo menos em Porto Alegre, não teria evitado o nível que se chegou de enchente. O que se tem é que as comportas não funcionaram, que tiveram que botar sacos de areia, o que obviamente é uma tecnologia tão antiga que as pessoas na primeira colocação colocaram a areia no saco de modo equivocado. A água não passou por cima da freeway (como é conhecida a BR-290 no trecho que sai de Porto Alegre), nem da Beira-Rio, nem do muro. Ela passou entre e ela não saiu da cidade”, descreve.
“Ela [a água] entrou pela canalização, pela tubulação, que é para retirar a água. A água do rio entrou por ali. Então, não só não saiu como entrou”, diz.
Melhorias feitas
De acordo com o diretor-executivo do DMAE, Vicente Perrone, enquanto o estudo encomendado pela prefeitura não fica pronto, ações emergenciais foram tomadas para reforçar o Sistema de Proteção Contra Cheias (SPCC) e amenizar os impactos de alagamentos dentro da cidade que são causados pela chuva, e não pelo Guaíba. A cidade ainda enfrenta episódios de alagamento após precipitação forte
“São investimentos na casa de bilhão de reais e envolvimento de milhares de pessoas”, diz Perrone.
Segundo Fernado Dornelles, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, se tem conhecimento de melhorias nos diques e comportas.
“Que eu tenho conhecimento, foram a recuperação de pontos nos diques da zona norte que romperam, algumas comportas que foram (ou serão) permanentemente fechadas com uma cortina em concreto armado e os acessos às galerias de descargas das casas de bombas 17 e 18 que tiveram quando volume de refluxo por elas na cheia de 2024”, diz.
Estão entre as melhorias:
Reforço no DMAE
Trabalhadores na ETA Moinhos de Vento, em Porto Alegre
Dmae/Divulgação
O DMAE garante que entre 200 e 300 funcionários estão dedicados ao trabalho que envolve água e esgoto em Porto Alegre, sendo que uma equipe está destacada para atuar especificamente em questões que envolvem o SPCC e a drenagem da água das ruas da capital.
Houve a criação de uma diretoria de proteção contra cheias em janeiro deste ano. Antes da enchente, havia quatro pessoas dedicadas a esse trabalho. Agora, há um quadro funcional técnico e orçamentos específicos.
Há quatro empresas atuando na limpeza de bocas de lobo. No total, existem 21 caminhões sugadores operando na manutenção de bueiros. Perrone garante que “99% dos bueiros” próximos da região do Guaíba receberam ao menos uma manutenção nos últimos meses.
Além do DMAE, Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) atuam no zoneamento e na fiscalização.
Casas de bombas
Equipamentos no interior de uma casa de bombas em Porto Alegre
Cesar Lopes/PMPA
Segundo o DMAE, existem 22 casas de bombas em Porto Alegre, com 101 bombas. Dessas, 16 são prioritárias, todas contam com geradores e têm medição de nível.
Há cinco empresas terceirizadas que fazem o trabalho de drenagem usando as casas de bombas, manutenção desses equipamentos, de geradores para mantê-las operando e fornecimento de energia elétrica.
Sistema de Proteção contra Cheias (SPCC)
O DMAE afirma que iniciou as melhorias no SPCC. Essas melhorias serão executadas em nove etapas, sendo que três já foram entregues. Além disso, preveem a expansão do sistema, que vai proteger os bairros Lami, Guarujá e Ipanema – que já não contam com qualquer tipo de proteção. O SPCC inclui muros, comportas e diques.
Muros e comportas
Portas de comporta sob estrada erguida em cima de dique em Porto Alegre
Mauro Lewa Moraes/DMAE
Conforme o DMAE, 1 quilômetro do Muro da Mauá já passou por reconstituição e análise de patologias (para identificar defeitos). Das 14 aberturas que ele têm, três já foram fechadas.
A prefeitura deve assinar com empresas o fechamento de quatro e outras quatro serão novas, contando, inclusive, com motores para fechamento e abertura. São, no total, 11 comportas com melhorias.
Diques
Avenida Castelo Branco, em Porto Alegre, erguida sobre dique de terra
Luciano Lanes/PMPA
Os diques que recebem melhorias se estendem por 11 quilômetros. O da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), na Avenida Assis Brasil, no bairro Sarandi, que extravasou e passou água por ele, está 90% concluído e deve ser finalizado em até 30 dias. Tem 5,8 metros e, conforme o DMAE “suportaria uma chuva como a de 2024”.
As melhorias no dique do Sarandi, também no bairro Sarandi, foram divididas em três fases: a primeira fase foi concluída. A segunda fase envolve um trecho de 300 metros que rompeu e onde havia 57 famílias. No local, há uma questão de regularização fundiária em andamento, que depende de recursos dos governos federal e estadual: 25 residências ainda não foram retiradas. Já a terceira fase é em um local onde há 450 famílias – a questão é discutida na Justiça e a prefeitura busca acordos via câmara de conciliação.
Na Vila Dique, no bairro Anchieta, onde há 400 famílias, a mesma questão ainda precisa ser superada. Já no Dique da Asa Branca, na Vila Asa Branca, na Zona Norte de Porto Alegre, as famílias já aceitaram sair.
Sistema de alertas
Porto Alegre reforçou o sistema de alertas à população em caso de instabilidades climáticas. Além de avisos por mensagens que chegam aos telefones de cidadãos cadastrados e via redes sociais, tão logo há o alertas, equipes são mobilizadas para operação, por exemplo, das casas de bombas.
Planos para o futuro
O Governo Federal disponibilizou R$ 6,5 bilhões para modernizar o sistema na Região Metropolitana.
“Agora, evidentemente que tu tem engenharia pela frente, tu tem questões financeiras pela frente, tu tem questões ambientais pela frente, tu tem questões de desapropriações, de acolhimento de famílias, ou seja, não é uma governança singela. Eu não tenho dúvida que a Porto Alegre do futuro será uma Porto Alegre mais forte, mais resiliente e que nós vamos superar”, diz o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo.
O governo Eduardo Leite estima que o estado ainda leve pelo menos dois anos para se ter “a reconstituição daquilo tudo que se perdeu”.
“Quando a gente fala em reconstrução para voltar ao estágio original, reconstruindo pontes, estradas e moradias. Foi a maior tragédia do ponto de vista climático para o Brasil. O número de população atingida, o número de municípios e impactos econômicos também. Do ponto de vista da ação do estado, do poder público em reconstrução, nós vamos ter pelo menos R$ 15 bilhões que vão ser investidos através do acordo que fizemos com a União para a recuperação da infraestrutura do estado. Na medida em que o pagamento da dívida deixa de ser feito à União e fica integralmente para o Fundo de Reconstrução do Estado”, explica.
Corrida contra o tempo
A construção de um estado mais seguro é uma corrida contra o tempo.
Pesquisadores do clima afirmam que eventos extremos vão acontecer em intervalos cada vez menores.
“Ondas de calor, estiagem, precipitação, vendaval, ciclones e inundações. Isso é uma característica da Bacia do Prata para os cenários de 10, 20, 30, 50 anos daqui para frente. Como o planeta seguirá aquecendo e os fenômenos meteorológicos vão ter que responder, o tempo de retorno de um evento meteorológico extremo como a inundação de 1923, 2023 ou de 2024, elas passam agora uma escala menor de tempo, isso é de 30 a 40 anos”, diz Francisco Eliseu Aquino , climatologista, professor do Departamento de Geografia da UFRGS e responsável pela divisão de clima do Centro Polar e Climático da UFRGS.
Mas as soluções para conviver com catástrofes climáticas são diferentes em cada cidade. Passam por retirar pessoas de áreas de risco, criar sistemas de proteção contra as enchentes de rios, melhorar a drenagem com menos concreto e mais áreas verdes, além de educar e treinar a população, para que cada um saiba o que fazer em situações extremas.
“Então, é claro que a gente não consegue mover todas as pessoas, isso é impossível, mover cidades inteiras, mas é possível a gente replanejar infraestruturas, vamos supor, pontes, pontes que estão baixas ou que são frágeis para essas inundações, a obra de engenharia deve pensar que o futuro, estes valores de inundação vão ser iguais ou maiores do que vistos. Quando a gente planeja posto de saúde, escola, hospital, etc., temos que pensar na localização estratégica em áreas mais seguras, para eles serem ambientes seguros no momento de maior necessidade. Eu preciso proteger margem de rio, eu preciso salvar áreas de nascentes, eu preciso proteger com árvores áreas de encostas, eu preciso ampliar o cinturão verde das cidades, eu preciso melhorar essa relação ambiental com o urbano e isso arrefece as cidades, suaviza os impactos extremos e nos dá chance de ter resiliência para as próximas décadas”, diz.
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