
Pagamento de indenização após processo por danos morais decorrente de agressões do antigo tutor sinaliza um avanço importante no reconhecimento de animais como seres sencientes Cachorro foi levado ao veterinário e estava com dificuldade de andar
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O caso Tokinho, um cão que, em 2023, foi brutalmente agredido por seu ex-tutor, e que recentemente teve reconhecido pela Justiça o direito de ser indenizado por danos morais, representa um marco histórico. A recente decisão judicial sobre esse caso sinaliza um avanço importante no reconhecimento de animais como seres sencientes, e cujos interesses e direitos devem ser respeitados. Isso abre um precedente importante em prol dos animais.
É importante ressaltar que para que um indivíduo seja considerado sujeito de direitos, é preciso reconhecer que ele tem interesses próprios que merecem ser protegidos. Mas o que a ciência diz sobre isso? É possível dizer que animais têm interesses próprios?
Sim, animais são seres sencientes e capazes de fazer escolhas
Para algumas pessoas, a ideia de que os animais possuem sentimentos e interesses próprios que merecem proteção pode parecer estranha. No entanto, ainda que alguns duvidem que os animais têm habilidades tão complexas, um número crescente de estudos científicos demonstra que animais não apenas têm interesses, mas também são capazes de agir de forma intencional e ter preferências.
Algumas pesquisas destacam que animais são seres sencientes. Senciência refere-se à capacidade de ter experiencias subjetivas como dor ou prazer. O reconhecimento de que animais são seres sencientes é crucial pois é a base ética para dizer que eles merecem e devem ter seu bem-estar físico e mental preservado, o que inclui a proteção de seus direitos.
Há estudos indicando que animais não apenas são sencientes, mas também têm agência, o que se refere à capacidade do animal fazer escolhas baseadas em suas preferências e interesses. Nesse contexto, aumentar a autonomia dos animais, incluindo pets, pode promover saúde emocional, e fortalecer nossos vínculos com eles.
Outras pesquisas, mostram que animais têm preferências claras por brinquedos, pessoas e atividades. E mais, o processo de tomada de decisões em animais é complexo e envolve múltiplos fatores tais como necessidades fisiológicas e ambientais.
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Diante dessas evidências, pesquisadores focados em estudos sobre interações entre pessoas e animais começam a demonstrar que não é apenas uma questão de evitar que um animal sofra. É necessário ir além e garantir que as preferências e necessidades deles sejam valorizadas e respeitadas.
Isso não significa permitir que eles façam escolhas que os coloquem em risco, mas indica uma necessidade de rever a lógica de que basta que um animal não esteja em sofrimento evidente para que o bem-estar dele esteja garantido. Alguns pesquisadores começam inclusive a argumentar que se queremos continuar incluindo animais em pesquisas precisamos criar maneiras de pedir consentimento antes.
Quando damos oportunidades para que os animais façam escolhas, ajudamos a fomentar um senso de autonomia que melhora o bem-estar e a qualidade do vínculo humano-animal. Por exemplo, isso pode incluir permitir que um cão escolha o trajeto de um passeio ou decida de quem preferem se aproximar. Em outros contextos, pode incluir permitir que um animal possa escolher se quer ou não participar de um experimento de pesquisa. Essa abordagem muda a dinâmica de controle para colaboração e pode resultar em relações mais éticas entre humanos e animais.
Pensando nas relações cotidianas com pets, aprender a criar oportunidades para que eles participem ativamente das interações diárias promove seu bem-estar e ajuda a construir uma perspectiva mais inclusiva das relações interespécies. Isso pode inclusive ter um impacto no desenvolvimento infantil. Pesquisas sobre famílias multiespécies com crianças indicam que elas tendem a desenvolver visões de mundo mais inclusivas. Isso pode ocorrer especialmente quando a agência dos pets é valorizada e respeitada pela família.
Essa discussão está diretamente ligada ao caso Tokinho pois reconhecer legalmente que um animal pode sofrer quando seus interesses não são respeitados é uma extensão natural do reconhecimento de sua agência. Nesse sentido, esse caso exemplifica um movimento de transformação em direção a uma visão de mundo mais inclusiva.
Em outras palavras, isso mostra uma aplicação concreta de evidências científicas no campo jurídico, fortalecendo interpretações que ajudam a desconstruir a velha lógica de que os animais são meros objetos que podem ser controlados sem limites.
Outro exemplo é a “Lei Joca”, aprovada recentemente no Senado. Ela regulamenta o transporte aéreo de pets de maneira que reconhece seu valor como membros da família. Esse tipo de lei reafirma a necessidade de considerar os interesses dos animais.
O desafio de reconhecer os direitos dos animais
Embora o caso do cão Tokinho possa gerar debate e controvérsia na esfera cível, a decisão a favor do cão está longe de ser absurda ou sem embasamento científico. Pelo contrário, ela está em forte sintonia com vários estudos sobre a senciência e agência animal.
Os conceitos de agência e senciência nos convidam a refletir sobre como percebemos os animais. Não precisamos esperar que um animal sofra situações extremas de violência como Tokinho para reconhecer que eles sentem, pensam, tem preferências e fazem escolhas. Respeitar os animais por quem eles são pode promover mudanças na forma como nos relacionamos com outras espécies.
Incorporar o que a ciência nos revela sobre as capacidades cognitivas e emocionais dos animais exige mais do que boas intenções. É necessário rever as atitudes e escolhas que fazemos nas nossas interações diárias e ajustar a legislação para proteger os direitos dos animais de forma mais justa e eficaz. Nesse sentido, o caso Tokinho simboliza um marco importante para o reconhecimento dos animais como seres de direitos.
Renata Roma não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.