
Prefeitura diz que o fumacê não é indicado e que é preciso outras medidas; comissão foi criada na Câmara para debater o tema. Moradores das zonas Oeste e Norte do Rio relatam infestação do mosquito borrachudo
Moradores de diversos bairros do Rio perto de áreas de mata ou lagoas têm se queixado de um aumento atípico de mosquito “borrachudo” (ou piúm, em algumas regiões do país).
De nome científico Simulium spp (da família Simuliidae), o inseto mede menos de 4 milímetros. O verão é a época em que a proliferação aumenta, e o ciclo de vida, desde a fase de ovo até a fase adulta, pode durar até 45 dias.
A picada é dolorida porque faz um pequeno corte na pele – muitas vezes fica um ponto de sangue na pela. Pode provocar inchaços, coceira, vermelhidão e até reações alérgicas – exatamente os sintomas narrados ao g1 por moradores de bairros como Alto da Boa Vista, na Zona Norte, e Rio das Pedras, Itanhangá, Ilha da Gigoia, Barrinha, Morro do Banco e Tijuquinha, na Zona Oeste.
Segundo os relatos, a presença de borrachudos não é de hoje, mas em 2025 a situação está fora do normal.
A Prefeitura do Rio diz que o fumacê – usado normalmente para combater mosquitos – é ineficiente contra o borrachudo, e que é preciso outras medidas (entenda abaixo). Uma comissão especial foi criada na Câmara Municipal para enfrentar o problema.
“Vem destruindo os grandes e pequenos negócios, escolas, áreas de lazer, pontos turísticos e até mesmo igrejas. E, quando os comércios perdem movimento, o reflexo é direto nos empregos”, disse o vereador Marcelo Diniz (PSD), um dos criadores da comissão.
Moradores de bairros vizinhos reclamam do aumento dos ‘borrachudos’
Arte/g1
Um vídeo mostra a situação em uma cachoeira do Alto da Boa Vista. Um homem passa a mão em uma pedra e mostra a quantidade de mosquitos (veja no início da reportagem).
Em outra filmagem, uma nuvem de mosquitos segue uma moradora, que está vestida de casaco, calça e tênis para tentar escapar das picadas.
Esse tipo de look tem sido adotado por muitos moradores desses bairros, que evitam ficar sem meias ou calças – e ainda assim dizem que são picados. Muitos afirmam ter precisado de atendimento médico para lidar com as alergias.
Mosquito borrachudo infesta bairros do Rio
Reprodução
“É questão de saúde pública isso, está muito exagerado. Coça muito e inflama se você coçar. Eu ando cheia de roupa, de calça, casaco, meia e luva. Quando estou no jardim, fico só com os olhos de fora, que eles tentam picar também, aí eu ponho óculos de jardim”, relata Gisele Magalhães, que mora no Alto.
“Está muito extremo. Até cachorro de pelo curto eles mordem também, bizarro”, emenda.
Uma moradora da Ilha da Gigoia, na Barra, conta que a neta dela de 5 anos desenvolveu uma celulite onde o mosquito picou.
“Minha neta de 5 anos foi picada, infeccionou e se transformou numa celulite. Teve febre altíssima, teve que tomar benzetacil. Estamos sem saída, nesse momento estou de meias, calça de moletom e casaco. Meu pé está inchado de tantas picadas”, afirma Vilma Santiago.
Mosquito borrachudo infesta bairros do Rio
Reprodução
Mosquito borrachudo infesta bairros do Rio
Reprodução
Desequilíbrio ambiental
O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, explicou ao g1 que os simulídeos são insetos rápidos, pequenos e que alcançam longas distâncias: até 5 quilômetros – mais que o mosquito da dengue, por exemplo.
Por conta disso, segundo o secretário, o tradicional fumacê não é eficaz contra essa espécie. Pior, o inseticida lançado por nebulização para controlar a população de mosquitos adultos pode matar predadores do borrachudo e, com isso, facilitar a proliferação.
“O fumacê não elimina esse tipo de mosquito, e você destrói os outros insetos que se alimentam desse mosquito, aumentando o desequilíbrio ecológico. Isso é um dos motivos para esse mosquito estar aumentando. Foram utilizados venenos inadequados pela população”, afirma Soranz.
Mosquito borrachudo infesta bairros do Rio
Reprodução
Segundo Soranz, o aumento são o desmatamento e a invasão as de áreas que deveriam ser preservadas, principalmente para construções irregulares, são outros problemas que precisam ser enfrentados.
“Inicia-se um processo de poluição desses rios, e a larva do borrachudo se alimenta dessa matéria orgânica. Além disso, há a destruição da mata ciliar, que torna mais fácil a proliferação desse mosquito”, destaca o secretário.
O borrachudo tem papel importante na natureza. O ciclo de vida dele, de larva e pulpa, é fonte alimentar para outros animais, como anfíbios, répteis e peixes. Como ele reproduz em água corrente e limpa, se a mata ciliar estiver preservada nos entornos de rios, o borrachudo deve se manter na região, longe da população.
Com o desequilíbrio ecológico, porém, restam poucos predadores do inseto, e as condições ficam favoráveis à sua reprodução.
“Preservar a beira dos rios e córregos, retirar o lixo, manter a mata ciliar são coisas importantes para conter a proliferação desse mosquito. O indicado é não usar venenos que não sejam eficazes, proteger as áreas de mata e manter a limpeza dos rios, principalmente os canalizados”, diz Soranz.
Mosquito borrachudo infesta bairros do Rio
Arquivo pessoal
Há um veneno eficaz contra o mosquito, que se chama BIT, mas tem uma duração curta porque precisa ser aplicado na beira dos rios, onde a própria correnteza da água remove o inseticida do local, explica o secretário.
“O mais eficaz agora é reequilibrar o meio ambiente. A gente precisa proteger as beiras dos rios e córregos. E tentar ir recompondo os predadores naturais e evitar que eles morram, como no caso do fumacê. Não tem em nenhum país a evidência científica do combate desse mosquito com veneno, não é eficaz e pode causar mais danos.”
Para o combate, a Secretaria de Saúde está atuando em parceria com a Comlurb na retirada de matéria orgânica da beira dos rios e córregos e a lavagem das pedras ou do cimento na canalização dos rios, que também é feita com o apoio dos Guardiões do Rio.
Há também o combate à construção e demolição de prédios irregulares nessas regiões, trabalho que tem sido realizado pela Secretaria de Ordem Pública.
Como se proteger
A principal forma de se proteger dos borrachudos é usando repelente. No entanto, por se tratar de um produto à base de substâncias voláteis, ele pode evaporar muito rapidamente e, com isso, a pessoa volta a estar desprotegida.
Por isso, é recomendado o uso de cremes antes de passar o repelente, para tentar prolongar o efeito.