Após governo confirmar permanência de secretário de Educação, TCE diz que descumprimento é desrespeito institucional


TCE-AC divulgou uma nota, nesta terça-feira (10), destacando que o descumprimento da decisão configura desrespeito institucional. Após o pedido de afastamento, governo diz respeitar as decisões dos órgãos de controle, mas que secretário segue no cargo. Secretário de Educação do Acre, Aberson Carvalho, durante entrevista sobre escola na zona rural do Acree
Victor Lebre/g1
Após o governo do Acre confirmar a permanência do secretário estadual de Educação, Aberson Carvalho, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AC) divulgou uma nota, na tarde desta terça-feira (10), destacando que o descumprimento da decisão configura desrespeito institucional.
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Também nesta terça, após repercussão da reportagem do Fantástico, que mostrou a situação precária da Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo, em Bujari, no interior do Acre, o TCE-AC determinou o afastamento cautelar do secretário por 30 dias.
A medida, assinada pela presidente Dulce Benício, foi tomada após um pedido do Ministério Público de Contas (MPC-AC) e cita a necessidade de apuração sobre a falta de estrutura na escola e suposta violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No interior do Acre, adolescentes têm aula em um curral
O processo será submetido à homologação do plenário do TCE-AC na sessão ordinária da próxima quinta-feira (12).
Em resposta, o governo divulgou uma nota afirmando que respeita as decisões dos órgãos de controle e também a ‘necessária garantia de direito ao contraditório e o trabalho conjunto, visando à transparência das contas públicas’. (Veja a íntegra da nota após esta reportagem)
Questionada se o secretário seria ou não afastado, a assessoria de comunicação do governo explicou que o ‘Tribunal de Contas pode aplicar sanções como multas aos gestores públicos, mas não tem o poder de afastar um secretário de estado de seu cargo’ e que Aberson segue como secretário de Educação do Acre.
Com o posicionamento da gestão estadual, o TCE-AC soltou um novo comunicado argumentando que as decisões do órgão, inclusive as cautelares, ‘são de observância obrigatória por parte dos agentes públicos (MS 24510/DF), sob pena de responsabilidade e presumível cometimento de crime de desobediência’.
O órgão diz também que a discordância em relação às decisões proferidas é natural em uma democracia, mas deve ser feita por meio de recurso administrativo direcionado ao próprio TCE-AC ou com provocação ao Poder Judiciário.
“A antecipação de posicionamento público pelo descumprimento de decisão regularmente emitida, sobretudo em matéria que já se encontra judicializada pelo Estado, configura desrespeito institucional, tanto ao Tribunal de Contas quanto ao Poder Judiciário”, diz a nota do TCE-AC.
O g1 procurou a assessoria de comunicação do governo e aguarda retorno.
TCE-AC determina o afastamento do secretário de Educação do Acre
Pedido de afastamento
Conforme o TCE, a decisão deve ser cumprida imediatamente e será apreciada na próxima sessão ordinária do pleno, podendo ser convertida em afastamento definitivo.
Ainda de acordo com o TCE, a representação do MPC-AC, baseada na reportagem e em visita de auditores da instituição, aponta:
Trabalho infantil irregular em contexto escolar, configurando, além de ilegalidade administrativa, potencial violação ao art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que impõe ao Estado o dever de garantir, com prioridade absoluta, a efetivação dos direitos fundamentais;
Precariedade sanitária extrema, com instalações improvisadas e insalubres, que afrontam diretamente o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana;
Falhas gritantes de infraestrutura, capazes de comprometer a integridade física e psíquica dos estudantes e docentes da rede pública de ensino; e
Repercussão pública de grande escala, impulsionada por matéria jornalística veiculada em rede nacional de televisão, o que amplia a responsabilidade institucional desta Corte de Contas quanto à resposta tempestiva e proporcional à gravidade do caso.
Escola precária
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O g1 também acompanhou a visita à escola e retratou o cenário desolador da escola que funciona em uma estrutura improvisada, sem paredes nem piso, sem água encanada, e com professora e alunos se dividindo entre as aulas e a limpeza do local.
Ao ver o local, nem de longe a unidade se aproxima de uma escola estadual. Mas é nela que cerca de 17 alunos, divididos em dois turnos, cumprem o ano letivo. Consiste em apenas alguns pilares de madeira sob telhas, sem paredes e sem assoalho, no chão de barro.
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Também há uma pequena cozinha, que funciona como despensa e até biblioteca. O compartimento tem bebedouro e também uma geladeira, mas, à época da visita da reportagem, estava quebrada desde outubro.
A sala improvisada é cercada por mato, e, os próprios pais de alunos precisam fazer uma limpeza para que o local não seja completamente tomado pela vegetação. Somente há cerca de um mês foi feito um banheiro. Antes, era preciso fazer as necessidades no mato. Não há água encanada, e eles contam com a doação de um vizinho. (Veja galeria acima)
Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo – Bujari/AC
Victor Lebre/g1
A professora Célia Amorim se divide entre aulas simultâneas para sétimo e oitavo anos do ensino fundamental pela manhã, e nono ano do ensino fundamental e primeiro ano do ensino médio à tarde. À noite, uma outra professora dá aulas da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A professora, que costuma chegar ao local às 6h30, dorme na casa da cunhada, onde também mora uma das alunas, e fica na escola até às 17h.
Célia também é responsável por preparar os alimentos servidos na hora do lanche.
“Lavo louça, faço merenda. Os alunos, na maioria das vezes, lavam o prato que sujam, e eu lavo o restante. Vou fazer um cuscuz, temos sardinha, macarrão, arroz, feijão. É difícil [cumprir várias funções], só que eu tô me acostumando, né? O dia agora está dividido em dois turnos, mas quando eu comecei, era todo mundo junto de manhã e aí eu não conseguia dar conta”, fala.
Por ela também integrar a comunidade, a relação é de amizade com a educadora, mas os alunos reconhecem que a rotina acaba atrapalhando as aulas. Além disso, a infraestrutura precária também incomoda quem precisa da escola. Ao longo do dia, eles precisam até mudar de cadeira para escapar do sol.
“Não é nada contra aqui, porque, pelo menos, a gente tem onde fazer as coisas. Mas é muito ruim, tem muito bicho [insetos] devido ser [perto da] mata, e campo perto. Eu acho que é um pouco difícil também. Principalmente no verão [porque] os caminhões começam a passar, e como não tem nenhuma parede, nem nada, aí a poeira vem toda para nós”, relata Kaianny Jesus de Souza, estudante da unidade, enquanto lava a louça da merenda.
Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo – Bujari/AC
Victor Lebre/g1
Nota do governo
O governo do Acre reafirma sua confiança e respeito às instituições de controle externo da gestão. Este governo sempre se pautou pelo respeito institucional dos poderes, incluindo os de controle externo. As instituições do Estado Democrático Republicano têm suas funções asseguradas pelas constituições federal e estadual.
Sendo assim, respeitamos as decisões e a necessária garantia de direito ao contraditório e o trabalho conjunto, visando à transparência das contas públicas.
Reforçamos que o Estado tomou as providências necessárias no caso em questão e, além disso, por meio da Secretaria de Educação, faz questão de disponibilizar não só os dados desta gestão, como também aqueles referentes à atuação na área das gestões anteriores, para fins de comparação e análise por parte do Tribunal de Contas do Estado (TCE), buscando a extração de um relatório mais robusto em dados comparativos, para conhecimento da sociedade.
Por fim, reiteramos nosso compromisso com a lisura, a eficiência e a transparência, destinadas ao bem-estar social e ao cuidado com as pessoas.
VÍDEOS: g1
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