Amor de Cazuza à vida é o motor de filme sobre a luta vitoriosa do artista no fim dos anos 1980 para deixar legado


O filme afetuoso de Nilo Romero é atração da 17º edição do festival de documentários musicais que fica em cartaz em São Paulo até 22 de junho. Cartaz do documentário ‘´Cazuza – Boas novas’, filme de Nilo Romero
Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL
Título: Cazuza – Boas novas
Direção: Nilo Romero
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ Cazuza – Boas novas é um filme de amor. O amor de um artista à vida. E o amor de um diretor, Nilo Romero, pelo protagonista da história que documenta em 91 minutos sob o benefício da perspectiva do tempo, sendo que Romero também é personagem importante dessa história.
O filme é apresentado nos créditos iniciais como sendo somente de Nilo Romero, também roteirista do documentário. Mas a direção é assinada por Romero com Roberto Moret.
Uma das principais atrações da 17ª edição do In-Edit Brasil – Festival internacional do documentário musical, mostra que fica em cartaz em São Paulo (SP) de hoje até 22 de junho, Cazuza – Boas novas não é o tipo de filme que contextualiza os fatos com precisão enciclopédica ou que busca unidade estética.
Contudo, o documentário dá conta de mostrar a luta vitoriosa de Agenor de Miranda Araújo Neto (4 de abril de 1958 – 7 de julho de 1990) – nome de batismo do cantor e compositor carioca imortalizado no universo pop brasileiro com o apelido de Cazuza – para deixar legado para a posteridade.
O foco do roteiro reside no período que vai de 1987 – ano em que o artista recebeu aos 29 anos o diagnóstico de que tinha contraído o vírus da Aids – até 1989. Nesses três anos, Cazuza fez os melhores álbuns da carreira solo – com destaque para a obra-prima Ideologia (1988) – e percorreu o Brasil com o show que todos (espectadores, críticos e amigos) apontam como o auge da carreira do artista. O momento mais luminoso.
Sob a direção de Ney Matogrosso, Cazuza cantou com força vocal que desafiava a fragilidade do corpo. Ainda assim, ao fim da turnê nacional, músicos e equipe técnica sentiram as tensões provocadas por desmaios e delírios do cantor, como Christiaan Oyens – baterista do show – recorda com Nilo Romero.
Baixista, coautor da letra do rock-samba Brasil (1988) e diretor musical deste derradeiro show eternizado no álbum ao vivo intitulado O tempo não para e lançado em janeiro de 1989, Nilo Romero é enfocado o tempo todo pelas câmeras enquanto entrevista – ou conversa, termo mais adequado – com Roberto Frejat, Leo Jaime, George Israel, Ney Matogrosso e Lucinha Araújo (mãe de Cazuza), entre outras pessoas que partilharam da intimidade de Cazuza.
Com estreia marcada nos cinemas para 17 de julho, o filme Cazuza – Boas novas é valorizado por significativas imagens de arquivo. Há takes de Cazuza no casamento do parceiro George Israel em 1987 e de momentos de lazer do artista na Fazenda Inglesa em Petrópolis (RJ) em 1988), além de números do show feito pelo cantor no Teatro Ipanema em 1987 – ano em que Cazuza promovia o segundo álbum solo, Só se for a dois, já ciente de ser portador do HIV – e do espetáculo arrebatador de 1988 / 1989.
Sem cair na armadilha piegas de ecoar um blues da piedade, o filme se desvia do tom lacrimoso. Quem chora diante das câmeras e diante de Flávio Colker – fotógrafo das imagens dos álbuns de Cazuza – é o próprio diretor Nilo Romero ao lembrar que, abalado com as tensões da turnê O tempo não para, preferiu se afastar quando Cazuza decidiu gravar o último álbum de estúdio, Burguesia (1989).
Produtor desse disco duplo, atestado do intenso jorro criativo que mantinha Cazuza vivo naquela época de frequentes crises de saúde, João Rebouças explica no filme o sentido de urgência imposto pelo cantor na gravação de Burguesia. Nenhuma voz era refeita. Não havia tempo.
No geral, os depoimentos são interessantes e fogem dos elogios genéricos e superlativos típicos de documentários. Além de desmistificar o primeiro encontro com o futuro parceiro, Frejat lembra a mágoa que sentiu quando Cazuza comunicou que estava saindo da banda Barão Vermelho e enfatiza que, mais tarde, a amizade com Cazuza ficou mais sólida quando eles voltaram a se falar seis meses após a ruptura.
Leo Jaime, que indicara Cazuza ao Barão Vernelho ao recusar o posto de vocalista oferecido a Jaime, revela que Cazuza o procurou no momento em que decidiu sair da banda, mas não sabia como fazer isso sem magoar os amigos.
O filme também põe em foco a polêmica reportagem de capa da revista Veja publicada em abril de 1989 com o titulo Cazuza – Uma vítima da aids agoniza em praça pública. Além de cruel e sensacionalista, a abordagem dada pelo editor Alessandro Porro (1930 – 2003) à entrevista feita pela jornalista Ângela Abreu não poderia ter sido mais equivocada ao sentenciar que a obra de Cazuza não iria transcender o tempo.
Decorridos 35 anos da morte do artista, a obra de Cazuza atravessou gerações, resistindo como um dos legados mais importantes e imortais da música brasileira, e não somente do rock nacional projetado ao longo da década de 1980.
Essa obra foi reflexo da luta do artista para se manter vivo, e criativo, sem se entregar à doença. “Cazuza era amor”, resume Marcia Alvarez, empresária do cantor na época, em fala que sintetiza o sentido do filme afetuoso de Nilo Romero.
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