
Casa octogonal foi construída em cima de uma rocha – a Pedra da Baliza, na zona rural do município cearense de Chaval. Casa da Pedra da Baliza: residência construída sobre rocha no sertão | Imagens: Ellen Lima e Thiago Pessoa/Fallow, Valeu!
De um lado, o maciço rochoso que forma a Serra da Ibiapaba. Do outro, as planícies do sertão. Mais ao longe, as dunas de Barroquinha. Ao redor, a mata nativa. É essa a visão panorâmica do lar do técnico em construção civil Ricardo Sérgio, que construiu sua casa octogonal em cima de uma rocha – a Pedra da Baliza, no município cearense de Chaval.
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A casa tem atraído atenção de viajantes, que chegam a desviar o caminho para conhecer o local. Para isso, eles precisam adentrar cerca de 18 quilômetros pela zona rural do município, saindo da sede, até chegar à localidade de Passagem, onde está a residência de Ricardo
A construção de dois pisos foi erguida em cima da Pedra da Baliza, a uma altitude de cerca de 104 metros. A altura, embora pareça modesta, é suficiente para garantir a ventilação da casa, além de um belo nascer e pôr do sol todo dia.
“Eu estou entre a serra da Ibiapaba e as dunas. Se eu fizesse uma casa lá embaixo [no nível do solo], pra mim era um crime, porque a vista aqui em cima é que é boa, 360 graus, né? Eu sempre gostei de lugar alto, com uma vista bonita. E é ventilado”, relatou o Ricardo Sérgio em entrevista ao g1.
Casa da Pedra da Baliza, em Chaval, vista ao longa
Arquivo pessoal/Ricardo Sérgio
A residência tem o formato de um octógono. No primeiro piso está a sala de estar, enquanto no segundo piso está a suíte onde Ricardo dorme. Contornando cada piso, uma varanda garante espaço extra – a cozinha, por exemplo, fica na varanda do primeiro piso. Nos arredores da casa, a água das chuvas acumulada nas pedras forma pequenas piscinas naturais.
Além da bela paisagem natural, um dos atrativos do local é a história. Conforme contam os populares, a Pedra da Baliza – o bloco rochoso em cima do qual a casa foi construída – recebeu esse nome porque, como ponto mais alto do terreno, era usada como ponto de referência, isto é, como ponto de baliza por caçadores e vaqueiros que se perdiam na mata dos arredores.
Ricardo aproveita bem o cotidiano na sua propriedade. Pelas manhãs, gosta de sair para pedalar. Ele realiza sozinho todas as tarefas do lar. Evangélico, costuma ouvir música gospel, dos mais variados ritmos, enquanto cozinha e limpa a casa, bem como falar do Evangelho. Nos arredores da casa, cria peixes e galinhas.
Ricardo Sérgio (na foto à direita) construiu a casa em cima da formação rochosa conhecida como Pedra da Baliza
Arquivo pessoal
Nos últimos anos, o lugar tem chamado atenção nas redes sociais, e muitos viajantes têm passado para visitar a casa, um movimento que Ricardo vê apreensivo, mas também como algo prazeroso.
“Eu sempre gostei de lugar simples, lugar isolado, eu sempre gostei de me isolar, e eu vim me isolar aqui. E o pessoal acabou me encontrando aqui, mas eu venho administrando e tem dado certo”, contou, rindo.
Entre duas pedras: a casinha levantada entre rochas no sertão do Ceará que serve de descanso para agricultor
Visitas frequentes
Sobre o número cada vez maior de visitantes, Ricardo é enfático: quem quiser, pode visitá-lo, mas somente no período da tarde, entre 14 e 18 horas. Ele também destaca que a casa não é hospedagem ou algum outro tipo de estabelecimento comercial: “A dormida é uma exceção que eu abro”.
“Não aceito bebida, não tenho restaurante, não tenho bar, não abro para banho”, explica. “Não tenho nada para vender, eu sirvo um café, um lanche. O que eu tenho aqui, eu sirvo. Eu aconselho as pessoas às vezes a trazerem alguma coisa, junta o que eu tenho aqui com o que a pessoa traz”, detalha.
Vista da casa de Ricardo Sérgio, na Pedra da Baliza, pouco após o amanhecer
Ricardo Sérgio + Ellen Lima e Thiago Pessoa/Fallow, Valeu!
Entre os visitantes recentes estão a paulista Ellen Lima e o curitibano Tiago Pessoa, que estiveram na casa de Ricardo no último mês de maio. Os dois estão viajando de motorhome pelo Brasil desde o final de 2024 e começaram a documentar a viagem nas redes sociais.
Eles estavam prestes a deixar o Ceará rumo ao Piauí, após cerca de um mês viajando pelo território cearense, quando ficaram sabendo da Pedra da Baliza. Eles decidiram fazer uma parada em Chaval para conhecer a moradia de Ricardo. Primeiro, entraram em contato com ele e pediram permissão. Após o aceite, chegaram pela tarde – como solicitado pelo proprietário – para usufruir da hospitalidade.
A maior parte do percurso eles fizeram no carro, mas a partir de determinado ponto, precisaram seguir a pé pelas veredas que levam à casa do cearense. “A sensação que a gente teve quando entrou, já com o carro, parece que tá numa parte cenográfica. É diferente de tudo que eu já vi na vida. É muito legal”, conta Ellen Lima.
Thiago e Ellen na companhia de Ricardo durante a visita à casa do cearense na Pedra da Baliza, em Chaval (CE)
Thiago Pessoal e Ellen Lima/Fallow, Valeu
“[Ele] Fez uma janta pra gente, fez café da manhã. A gente chegou e ele tava debulhando feijão. E aí ele foi contando a história dele, contando a história do lugar. E aí a gente já foi se envolvendo ali. A natureza fala muito naquele lugar. A gente consegue se conectar muito”, relembra Tiago Pessoa.
Para eles, Ricardo abriu uma exceção: estendeu duas redes na sala e permitiu que o casal pernoitasse na casa. Os dois, então, puderam aproveitar o nascer do sol do alto da pedra. Ao amanhecer, ainda ganharam uma visita guiada pelo proprietário pelos atrativos turísticos da região.
“Quando a gente chegou lá foi muito especial. A gente tava ali naquela expectativa de conhecer e foi ainda mais surpreendido porque o Ricardo é uma pessoa maravilhosa”, contou Ellen Lima. “É uma beleza muito diferente, assim, de tudo que a gente tinha visto”, atesta.
A construção e o desafio de um sonho
A propriedade de Ricardo, com a Pedra da Baliza e a zona de mata nos arredores, pertenceu ao seu avô, mas foi vendida anos atrás. O técnico em construção civil trabalhou por anos no Piauí e, quando decidiu voltar para o Ceará, conseguiu comprar novamente o terreno que foi da família.
A casa em si levou cerca de seis anos para ficar pronta – com poucos recursos, Ricardo foi levantando a moradia aos poucos. “Eu sou técnico em construção civil, e a minha vida toda foi fazendo planta de casa e mapa de terreno. Nunca eu fui pedreiro, mas aqui nessa obra eu que fui o pedreiro, carpinteiro, ferreiro, tudo. Só contratei ajudante”, conta.
Ela ficou pronta em meados de 2022, mas ele está constantemente fazendo ajustes. No momento, por exemplo, ele tenta consertar um poço profundo para acumular água da quadra chuvosa e poder abastecer a casa ao longo do ano. “Ele [o poço] só tem água no inverno. E eu vou ter problema de água agora, mais para o final do verão”, lamenta.
Vista aérea da casa construída na Pedra da Baliza, em Chaval (CE)
Thiago Pessoa e Ellen Lima/Fallow, Valeu
Sem renda fixa e sem apoio da prefeitura, ele depende essencialmente de doações de visitantes para levar a obra para frente. “Sonho com o poço profundo, estou em busca de um patrocínio”, contou à reportagem. No entanto, descartou cobrar pela visita à casa e arredores para financiar a obra. “Não quero cobrar. Para o pobre ter acesso, para todo mundo ter acesso. Aqui eu não quero elitizar”, diz.
Outro desafio que enfrentou no início foi a presença de caçadores na região, que tem a presença de animais como o mocó, um roedor semelhante às capivaras e pacas, porém menor. “Faço um trabalho de conscientização com os turistas e com os caçadores. Hoje eles respeitam o lugar, mas tive muito trabalho”, revela.
Sobre os conselhos que recebe para transformar o local em uma atração turística – com serviço de hospedagem ou camping -, ele conta que já avaliou a possibilidade e pensa em alternativas para garantir o acesso a quem quer conhecer a casa erguida sobre as pedras, mas também sem comprometer seu sossego.
“Eu tenho muito medo de perder a tranquilidade. Meu negócio aqui não é dinheiro, apesar de eu estar muito sem, mas meu negócio é paz, sossego. É qualidade de vida”, assegura. “Eu estou aqui para ter sossego, mas eu me sinto na obrigação de compartilhar isso aqui com todo mundo, isso aqui foi Deus que me deu, e eu tenho que compartilhar com todo mundo”
Na quadra chuvosa, casa de Ricardo fica cercada de piscinas naturais formadas pela água da chuva acumulada nas pedras
Arquivo pessoal/Ricardo Sérgio
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