Presença de ave rosa indica que vida aquática cresceu e deixou trecho do Rio Pinheiros mais atrativo para animais; entenda


Visita dos colhereiros em trecho do Rio Pinheiros chamou a atenção em área dominada por ‘fauna supervagabunda’, formada por espécies tolerantes a piores condições ambientais, como capivaras, urubus e pombos; g1 conversou com biólogos para entender aparição. Colhereiro – Platelea ajaja
Geancarlo Merighi/Foto
Ver capivaras circulando tranquilamente às margens do Rio Pinheiros é um tanto quanto normal. Mas um chamativo animal de penas rosadas, incomum na região, tem encantado quem passa por lá — são os colhereiros, aves que têm esse nome pelo formato do bico, que é alongado e em formato de colher.
O g1 conversou com biólogos para entender o que atraiu os pássaros para aquele pedacinho na Zona Oeste de São Paulo.
Luís Fábio Silveira, professor do Departamento de Zoologia pela USP, presume que os colhereiros do Pinheiros são grupos que estão ali de passagem, explorando recursos alimentares disponíveis por algum período. Mas ele destaca: “Apenas em um ponto muito específico do rio”.
Segundo ele, a presença de vida aquática que serve de alimento para os colhereiros foi fator determinante para o aparecimento do bando: “São mais sensíveis, dependem de um ambiente um pouco mais conservado, com maior diversidade de tipos de comida”.
A visita das aves levantou o questionamento: eles apareceram porque o rio está limpo? Segundo o professor, a resposta é não — mas isso não quer dizer que as águas do Pinheiros não estejam ao menos um pouco menos poluídas.
“O colhereiro não é um indicador de boa qualidade ambiental, é uma ave que evita locais muito poluídos ou degradados. Ele está ocupando apenas um trecho do Pinheiros. Muito longe ainda de poder falar que o rio está limpo”, afirmou Silveira.
“De qualquer forma, a presença deles indica que as condições locais estão melhorando, mesmo que temporariamente, porque as aves encontram ali alimento disponível, o que não é possível em outros trechos do rio. É certo que hoje há uma proporção maior deles na água, que são pequenos invertebrados, como crustáceos, ou mesmo pequenos vertebrados”, pontuou.
Comida e ‘prainha’ atraem os bichos
Maurício Forlani, biólogo e mestre em zoologia pela USP, explica que o colhereiro é uma ave que se alimenta de plânctons, crustáceos e outros seres que ficam em partes rasas de rios e áreas alagadas.
“Ele vai mexendo a perna, vai pegando com o bico, filtrando esses animais microscópicos e vai se alimentando. Qual é o ambiente comum em que você vê colhereiros? Ambientes alagados, margens de lagoas, lagoas secando, margens de rio com regiões de baixo fluxo que formam remansinho, umas prainhas”.
O pesquisador acredita que os colhereiros estão em um processo de migração interna, e que o Rio Pinheiros não passa de um ponto transitório.
“Muito provavelmente esse animal vinha num voo mais longo, sobrevoou o rio e enxergou ali um ambiente que parecia ser propício pra ele. Não acho que hoje a gente tenha uma condição ambiental que favoreça a manutenção constante de colhereiros no Rio Pinheiros”, ponderou Forlani.
Colhereiros são avistados no Rio Pinheiros
Arquivo pessoal
“Pode ser que, daqui pra frente, a gente consiga melhores índices de qualidade de água e uma diversidade de crustáceos, fitoplanctons ou oplanctons, que favoreça a presença desses animais, mas acredito que foi um momento passageiro. Muito provavelmente esse bando tenha se deslocado para a represa Guarapiranga, que não estava muito distante do local onde eles foram registrados”, completou.
Ambiente de capivaras e ‘fauna supervagabunda’
O professor Luís Fábio Silveira afirmou que os colhereiros podem ter integrado a fauna do Rio Pinheiros no início do século passado, mas teriam se afastado por conta da urbanização e da degradação do rio. “Atualmente, podem ser vistos com mais facilidade nas represas Billings, Guarapiranga e outros corpos d’água maiores e mais preservados da Região Metropolitana de São Paulo”.
Os animais que mais são vistos no Rio Pinheiros são as capivaras. “São animais muito resistentes e que não se importam em nada com a qualidade de água ou do ambiente”, diz Silveira.
“Os rios Pinheiros e Tietê tinham anhumas [ave presente nas bandeiras dos municípios de Guarulhos e Tietê] e muitos outros bichos”.
“Hoje, os rios têm o que chamamos de fauna supervagabunda”, destacou o pesquisador.
Esse tipo de fauna, explica Luís, é composto por espécies que são tolerantes a piores condições ambientais. “Não é à toa que só tem capivara, garça-branca, urubus, pombo, carcará…”, completa.
Ciclistas e pedestres ficaram encantados
“Genteee, para tudo o que você está fazendo e vem assistir a esse pelotão rosa desfilar pelas águas do Rio Pinheiros”, festejou a fotógrafa Gazela, que registrou o bando. (vídeo abaixo)
E mais comentários de exaltação na publicação do Instagram: “Minha nossa, que lindeza”, “linda imagem”, “esses ainda não tinha visto na ciclo 😍”.
Mariana Aidar, presidente do Projeto CAPA (Centro de Apoio e Proteção Animal), é uma frequentadora habitual do Rio Pinheiros, já que atua na proteção das capivaras que habitam o local.
“Apareceu um casal, depois veio mais um. Hoje, já são vários ao longo do rio. É muito bacana, são lindos. Quando a gente viu pela primeira vez, as meninas da minha equipe insistiram que eram flamingos. Eu falava ‘Não, olha o bico, não é comprido, é achatadinho”, contou.
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Qualidade da água
Além dos elogios, muitas pessoas questionaram a presença das aves no Pinheiros e criticaram a limpeza do rio: “Pena que o processo de despoluição esta aparentemente regredindo”, “Coitados desses animais, que têm como única fonte esse água imunda”.
A água do Pinheiros não pode, de fato, ser considerada de boa qualidade, e quem atesta isso é a ONG SOS Mata Atlântica. Segundo relatório divulgado pela organização no ano passado, dados obtidos da média do Índice de Qualidade da Água (IQA) na Bacia Hidrográfica do Rio Tietê apontaram que dos seis pontos péssimos, três estão no Rio Pinheiros, na capital.
De acordo com o levantamento, apesar de a microbacia hidrográfica estar inclusa no Projeto Novo Rio Pinheiros e ter avançado na coleta e tratamento de esgoto, “notou-se a volta de despejo de esgoto irregular na água do rio, com consequente piora na qualidade da água”.
“Esses indicadores mostram novamente que saneamento não pode ser um ‘projeto’, tem que ser um ‘processo’ permanente e contínuo para garantir o equilíbrio e a saúde da água e da população do entorno”.
O projeto Novo Rio Pinheiros, do ex-governador João Doria (PSDB), prometia despoluir o Rio até 2022. Em 2021, peixes foram vistos no Rio, mas segundo especialista, isso ocorre porque eles estão perto de pontos onde desembocam outros rios e córregos que já estão despoluídos.
+ Curiosidades 🦩
Colhereiro vive em manguezais e áreas alagadas
Rudimar Narciso Cipriani
Apesar da semelhança com os flamingos, os colhereiros são da mesma família das curicacas, corós-corós, guarás e tapicurus.
Usando o bico comprido, de ponta avantajada, a ave costuma peneirar a água a procura de alimentos como pequenos peixes, moluscos e crustáceos. Assim como nos guarás, a dieta à base de crustáceos resulta na pigmentação vermelha da plumagem na espécie.
O colhereiro pode medir até 87 centímetros. O macho e a fêmea são idênticos. É possível diferenciá-los apenas pelo tamanho, o macho costuma ser maior.
Ele vive em bandos em áreas alagadas, manguezais e praias lamacentas no interior ou no litoral.
Ave busca alimento na água e aproveita o bico de “colher” para peneirar
Rudimar Narciso Cipriani
A espécie é facilmente confundida com outras aves de grande porte. Quando imaturos, apresentam a plumagem predominantemente esbranquiçada e nessa fase podem ser confundidos com as garças. Os adultos, por sua vez, são comparados com os guarás e até flamingos, devido ao tom avermelhado das penas.
No período de reprodução o colhereiro nidifica em colônias, inclusive com outras espécies como os cabeças-secas, biguás e garças. O ninho é construído com gravetos. A fêmea da espécie põe até três ovos que são incubados por pelo menos 20 dias. O colhereiro atinge a maturidade sexual apenas aos três anos de vida, quando já apresenta a plumagem “oficial”.
Colheireiro usa bico para ajeitar a plumagem
Rudimar Narciso Cipriani

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