60 anos do golpe militar: Castelo Branco e Médici receberam cidadania acreana sem nunca pisar no estado


Golpe Militar de 1964 completa 60 anos neste domingo (31). Regime militar deixou mais de 400 mortos e desaparecidos no Brasil. Castelo Branco e Médici, ditadores foram homenageados no Acre
Palácio do Planalto/arquivo
Um dos principais articuladores da Ditadura Militar, que deixou mais de 400 mortos e desaparecidos no Brasil, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco recebeu no Acre uma das maiores honrarias dadas pelo Poder Legislativo do estado, a cidadania acreana. Assim como ele, outro ditador homenageado no período foi o general Emílio Garrastazú Médici. Os dois, entretanto, nunca pisaram em solo acreano.
(ESPECIAL “60 ANOS DO GOLPE MILITAR”: a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na “lei ou na marra”, com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985).
O título de cidadania é uma honraria simbólica geralmente dada a pessoas de outros estados ou países com alguma ligação ou que contribuam para o desenvolvimento do local em que recebem a homenagem. No caso dos militares, além do fato de terem sido mandatários do país, não há nenhuma justificativa para que eles tenham sido agraciados.
Castelo Branco, que ocupou a presidência em 1964 e 1967, recebeu cidadania acreana através da Lei nº 48, de 1º de dezembro de 1965. Nos arquivos da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) não consta o registro de quem teria sido o deputado responsável por conceder o título.
Arquivos da Aleac mostram concessão de cidadania
Reprodução/Assembleia Legislativa do Acre
Já Médici, que esteve no poder entre 1969 e 1974, recebeu o título por indicação do deputado Carlos Simão (Arena). A lei que sacramentou a outorga foi a de nº 509, de 24 de outubro de 1973.
Os dois ditadores foram homenageados ainda em outras ocasiões no estado. O segundo aeroporto de Rio Branco construído em 1964, por exemplo, levava o nome de Médici. Já Castelo Branco deu ainda nome a um bairro da capital acreana e o Parque Exposições Wildy Viana levou por anos o nome dele. A mudança só foi feita em 2017, mais de 30 após o fim da ditadura.
Responsável por morte de estudantes foi homenageado no Acre
Outros nomes ligados à Ditadura Militar também foram homenageados pelos parlamentares acreanos durante os anos de chumbo, entre eles o ministro da Educação das administrações do general Costa e Silva e da Junta Militar de 1969, Paulo de Tarso Dutra.
O criador do Mobral e um dos responsáveis por diversos conflitos que terminaram com a morte de diversos estudantes como o carioca Edson Luís de Lima Souto, nos episódios conhecidos como a ‘Invasão do Calabouço’, a Sexta-feira Sangrenta’ e a ‘Passeata dos Cem Mil’. Dutra foi ainda o responsável por revisar o texto do Ato Institucional número 5 (AI-5), que mergulhou o país em um dos períodos mais duros do regime.
MPF pediu anulação de homenagens a pessoas ligadas à Ditadura
Em outubro de 2023, o Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC) ingressou com uma ação civil pública pedindo pedindo à Justiça Federal para determinar à União, ao governo do Acre e prefeitura de Rio Branco a retirada de todas as homenagens a pessoas ligadas à ditadura militar.
Na época, o órgão pediu a instalação de comissões técnicas para mapear, analisar e promover a mudança nas nomenclaturas de ruas, edifícios e instituições públicas que homenageiem agentes públicos ou particulares que notoriamente tiveram comprometimento, direto ou indireto, com a prática de graves violações durante o regime civil-militar.
José Augusto de Araújo, primeiro governador eleito do Acre foi deposto em golpe de estado
Acervo histórico do Museu Universitário da Ufac
Ditadura Militar no Acre
Em 1964, o Acre era um estado recém-criado. Depois de 50 anos de luta do movimento autonomista, o então território federal havia sido elevado a categoria de estado em 1962. O primeiro governador eleito democraticamente havia assumido o cargo em março de 63.
A vitória de José Augusto de Araújo, um político até então relativamente desconhecido foi uma surpresa. Araújo, que fazia parte do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) o mesmo do presidente João Goulart, havia concorrido contra José Guiomard Santos, do PSD, um dos articuladores da elevação do território a estado.
Em pouco tempo, porém, o clima de celebração ficou para trás. Desde o começo de seu mandato, o novo governador enfrentou oposição até mesmo de aliados por causa de suas ideias consideradas progressistas para a época.
Ao g1, em 2014, a ex-primeira-dama, Maria Lúcia de Araújo, viúva de José Augusto falou sobre o marido. “Era uma pessoa que lia muito e queria dar o melhor que pudesse para o estado dele”, disse.
O Golpe Militar acabou sendo a oportunidade para os opositores do governador acreano, que passou a ser denunciado aos militares como ‘subversivo’ e ‘comunista’. A situação ficou insustentável até que no dia 8 de maio de 1964, José Augusto foi forçado a renunciar pelo comandante da 4ª Companhia Militar, capitão Edgar Pedreira de Cerqueira Filho, durante o episódio que ficou conhecido como ‘Cerco ao Palácio’.
Comandados por Cerqueira, os militares cercaram o Palácio Rio Branco e exigiam que o governador renunciasse ou iriam invadir o local. Maria Lúcia conta que aliados do governador ainda tentaram convencê-lo a resistir. No entanto, temendo que houvesse derramamento de sangue, ele recuou.
Carta de renúncia de José Augusto de Araújo foi assinada apenas com as iniciais
Acervo histórico do Museu Universitário da Ufac
“Naquele tempo tínhamos a guarda territorial, eram poucos homens e que não podiam nunca confrontar o pessoal do exército com metralhadoras, quando o estado não tinha nem arma para revidar. Aí, ele disse: ‘vai correr sangue, então para que lutar?’. Aí resolveu renunciar”, lembrou a viúva. O governador, porém, assinou o documento apenas com suas iniciais, um forma de deixar claro que estava sendo obrigado a tomar aquela decisão.
A renúncia não foi suficiente para Cerqueira. Por isso, o governador eleito e a primeira-dama tiveram de deixar o estado.
Duas situações curiosas ocorridas fazem com que viúva desconfie que o Cerqueira agiu no Acre sem o aval do comando militar. A primeira foi ao chegar em Porto Velho (RO). “Um coronel nos perguntou o que havia acontecido, porque a comunicação foi toda fechada. Ele vinha para assumir o governo, mas o Cerqueira se apressou e exigiu que os deputados votassem nele, segundo me contaram. Um golpe dentro do golpe”, comenta.
Já no Rio de Janeiro onde iriam viver nos anos seguintes, o casal foi recebido pelo general Homem de Carvalho e a pedido do general Humberto Castelo Branco, que ocupava a Presidência, teve que fazer um relatório sobre a situação ocorrida no Acre.
A situação acabou agravando a saúde já delicada de Araújo, que tinha problemas de coração. No dia 3 de abril de 1971, ele acabou falecendo no Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro
governador do Acre, José Augusto de Araújo e presidente João Goulart
Acervo histórico do Museu Universitário da Ufac
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