Neste artigo, Paula Alvaredo Olmos, professora de Ciência e Engenharia de Materiais na Universidade Carlos III, explica como a evolução da qualidade do aço poderia ter evitado diversos desastres tecnológicos. Titanic partindo de Southampton em 10 de abril de 1912.
Francis Godolphin Osbourne Stuart/Domínio Público
A falta de conhecimento adequado em ciência e engenharia de materiais, bem como a priorização de outros interesses, contribuiu para alguns dos maiores desastres tecnológicos da história. Exemplos icônicos são a tragédia do ônibus espacial Challenger; os dramáticos acidentes do Havilland Comet, do Columbia e dos navios Pendleton e Fort Mercer, bem como o colapso da ponte Hasselt Road, na Bélgica. Sem esquecer o desastre do Titanic.
Todas essas catástrofes teriam sido evitadas com os avanços nos materiais que conhecemos hoje.
A fragilidade do aço do Titanic
Em 1º de setembro de 1985, Robert Ballard encontrou o Titanic a 3.700 m no fundo do Oceano Atlântico. O navio foi dividido em duas seções principais, separadas por cerca de 600 m. A colisão criou aberturas no casco totalizando 1.115 m².
Durante uma expedição aos destroços no Atlântico Norte em 15 de agosto de 1996, os pesquisadores trouxeram aço do casco do navio para análise metalúrgica. Uma análise cuidadosa revelou que o aço tinha uma alta temperatura de transição dúctil-frágil, tornando-o inadequado para serviços em baixas temperaturas. No momento da colisão, a temperatura da água era de –2° C.
Hoje, a qualidade destes aços melhorou exponencialmente.
O erro permaneceu nos navios Liberty
Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos construíram mais de 6.000 navios Liberty para apoiar a Grã-Bretanha. Uma das peculiaridades de sua fabricação era que as placas de aço do casco eram soldadas e não unidas por rebites. Quando três desses navios literalmente se quebraram ao meio, o motivo pareceu claro a princípio e a culpa foi da soldagem das placas. Porém, a verdadeira causa estava relacionada à fragilidade do aço em baixas temperaturas.
Esses navios, juntamente com o SS Schenectady e o Pendleton e Fort Mercer, resistiram a temperaturas próximas a -2⁰ C, como as sofridas pelo Titanic quando este naufragou no Atlântico Norte em 1912.
Nessas temperaturas, o aço utilizado nos cascos tornou-se quebradiço, quebrando-se facilmente. A chave do problema está na temperatura que determina quando um material passa de dúctil a quebradiço (DBTT). Esta mudança de comportamento só foi descoberta anos mais tarde e representou um desafio para a pesquisa metalúrgica no último meio século.
Os avanços da metalurgia no século XX permitiram modificar a composição do aço para que não ocorresse uma transição tão repentina e para reduzir esse risco. Hoje sabemos que a relação entre os elementos que compõem o aço é fundamental para otimizar o seu comportamento, e também que isso influencia a sua sensibilidade às baixas temperaturas e a sua suscetibilidade à formação de fissuras.
Com algumas mudanças na composição do aço, muitos desastres teriam sido evitados. E não apenas o naufrágio de navios.
As incríveis imagens que mostram lenta degradação do Titanic
Challenger: o efeito da temperatura
A tragédia do Challenger em 1986 foi um dos desastres mais chocantes do século XX. Este voo da NASA teve especial relevância, pois a bordo estava Christa McAuliffe, professora selecionada para o programa Teachers in Space, promovido pelo governo de Ronald Reagan.
Esperava-se que o lançamento reavivasse o interesse pelas viagens espaciais, mostrando sua crescente segurança. Porém, 73 segundos após a decolagem, o Challenger se desintegrou a uma altitude de 14,6 quilômetros, causando a morte de todos os sete tripulantes.
A investigação revelou que o acidente foi causado por uma falha no anel de vedação. Esses propulsores, fabricados com fluorelastômeros (FKM), apresentavam perda de elasticidade em baixas temperaturas.
Na manhã do lançamento, a temperatura era de -3⁰ C, o que impediu que as juntas fossem devidamente seladas. Isso permitiu o escape de gases quentes que causaram a ruptura da hélice direita, desencadeando um desastre.
Em 1986 ele já sabia que os O-rings eram vulneráveis a baixas temperaturas, e vários especialistas sugeriram adiar a decolagem. Mas a pressão pelo sucesso da missão prevaleceu, ignorando os alertas sobre o comportamento do material em condições adversas.
Cometa Havilland e fadiga do metal
O Havilland DH.106 Comet foi o primeiro avião a jato comercial e marcou um marco na aviação quando começou a operar em 1949. Movido por turbinas, voava em altitudes mais elevadas e com menos turbulência, melhorando o conforto dos passageiros. Seu design aerodinâmico, com asas enflechadas e motores incorporados, tornou-o mais eficiente.
Contudo, entre 1953 e 1954 o Comet sofreu uma série de acidentes, incluindo o voo G-ALYV, que se desintegrou sobre Calcutá.
Inicialmente, as causas foram consideradas climáticas. Mas a investigação revelou um problema no desenho estrutural do avião: as janelas quadradas.
Essas janelas atuaram como concentradores de tensão, causando rachaduras devido aos ciclos de pressão durante os voos. A cada ciclo, as fissuras aumentavam até causarem descompressão explosiva, causando a desintegração do avião.
Esta descoberta foi fundamental para a indústria da aviação, que adotou as janelas ovais que vemos hoje nos aviões para evitar a concentração de tensões e reduzir o risco de fadiga do metal.
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Ônibus espacial Columbia: corrosão
Em 1º de fevereiro de 2003, o ônibus espacial Columbia se desintegrou durante sua reentrada na atmosfera, matando todos os sete tripulantes.
O desastre ocorreu devido a danos na asa esquerda, causados por um pedaço de espuma isolante que caiu durante o lançamento, afetando as placas de proteção térmica. Este dano expôs a estrutura interna do ônibus espacial aos gases quentes da atmosfera, o que enfraqueceu a nave e causou sua desintegração.
Um dos fatores foi a corrosão de materiais metálicos, que se agrava no espaço devido à exposição ao oxigênio elementar altamente reativo nas camadas superiores da atmosfera. Desde então, as inspeções de segurança têm dado maior atenção à corrosão dos materiais, que não é mais esquecida, evitando futuros acidentes.
O compromisso com a ciência e engenharia de materiais
Os desastres mencionados destacam a importância da ciência e engenharia dos materiais na segurança e no sucesso das tecnologias modernas.
Compreender como os materiais se comportam sob diferentes condições é essencial para prevenir falhas catastróficas. Figuras como Elon Musk destacaram a importância desta disciplina, incentivando as pessoas a estudar carreiras em ciência e engenharia, cruciais para o desenvolvimento da indústria espacial e de outras áreas. E, como vimos, para evitar acidentes terríveis na história futura.
*Paula Alvaredo Olmos é professor titular em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Carlos III.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation.
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