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Especialistas afirmam que não há idade para transição de carreira, e que maturidade ajuda profissional a ter mais segurança ao arriscar uma nova área. Andrea trabalhou por mais de uma década administrando quatro lojas de roupas
Wendel Seta via BBC
“A vida começa aos 40.”
A frase, de autoria do psicólogo americano Walter Pitkin, intitula um livro escrito por ele em 1932 e defende a ideia de que, aos 40 anos, por estarmos mais maduros, vivemos melhor e com mais propósito.
Se, por um lado, a maturidade traz mais segurança, por outro ela pode despertar o desejo de mudança e a coragem para iniciar uma nova carreira, como aconteceu com a nutricionista Andrea Gonçalves, de 49 anos.
Andrea se formou em administração e comércio exterior e por mais de uma década trabalhou no ramo de moda administrando quatro lojas de roupas em parceria com a irmã, em Brasília.
Até que, em 2008, o então marido de Andrea recebeu uma oferta de trabalho em Aracaju e a família toda — incluindo os dois filhos — se mudou para Sergipe.
A mudança de cidade trouxe uma oportunidade de repensar a carreira. Segundo Andrea, seguir no ramo da moda já não fazia tanto sentido, mas ela ainda não sabia exatamente o que fazer.
“Eu gostava de trabalhar com vendas, mas não foi algo que eu escolhi ou que que me enchia os olhos. Era algo que a minha irmã já trabalhava, e eu só entrei no ramo e fui fazendo”, lembra.
Foi então que, um dia, enquanto dirigia, Andrea viu um outdoor anunciando a abertura de um curso de nutrição em uma faculdade de Sergipe. O anúncio despertou algo diferente nela, e gerou uma certa identificação com a área.
“Eu nasci em uma casa onde as pessoas viviam de dieta, em uma época em que tomar remédios para emagrecer era muito comum. Sempre me perguntei se não haveria formas mais saudáveis de perder peso. Quando vi o anúncio, pensei: ‘É isso. Quero ser nutricionista'”, conta.
Com algumas reservas financeiras e o apoio da família, Andrea decidiu prestar vestibular. Foi aprovada e cursou cinco anos de faculdade até se formar em 2014.
“Aos 40 anos, me formei em nutrição e mudei de carreira”, destaca, acrescentando que a idade nunca foi um problema, mas um diferencial que ajudou no processo de transição.
“Como era a minha segunda graduação, eu tinha mais maturidade e sabia o que eu queria. Acredito que a minha vivência me ajudou não só nessa mudança, mas a me consolidar enquanto nutricionista, porque o fato de ser mais experiente passava muita confiança para os pacientes”, conta Andrea, que se especializou em Nutrição Esportiva e tem uma agenda cheia no consultório em Aracaju.
De empresário a professor de yoga
De acordo com Alessandra de Faria, especialista em carreiras, é muito comum que, depois dos 35 anos, as pessoas questionem o que estão fazendo profissionalmente e demonstrem vontade de fazer uma transição de carreira.
Nessa fase, o profissional já tem maturidade e vivência para entender que não basta só trabalhar por dinheiro, “mas que fazer algo que o motive e traga qualidade de vida é essencial”.
Foi assim com o pernambucano Diogo Moreira, 40 anos. Empresário do ramo de confecções, setor no qual a família dele tem uma tradição de mais de 50 anos, ele trabalhava cerca de 15 horas por dia.
Em 2019, passou por um burnout e procurou a prática da ioga como uma alternativa para lidar com a ansiedade e o estresse.
A atividade despertou nele uma nova paixão e a vontade de fazer dela uma carreira.
Diogo Moreira era empresário do ramo de confecções
Arquivo pessoal via BBC
“Eu me identifiquei bastante com a filosofia de vida da ioga e, aos poucos, fui fazendo as mudanças necessárias para uma transição. Mudei o meu estilo de vida, fiz cursos de formação e comecei a dar aulas online. Depois de um tempo, larguei completamente o ramo da confecção e me mudei para Porto Alegre”, destaca, contando que não foi uma transição fácil.
“Foi uma mudança muito drástica, até porque as pessoas me viam como uma pessoa bem sucedida. Mas quando entendi que ter sucesso não era apenas ter dinheiro, troquei o tão sonhado sucesso da vida de empresário para ser professor de ioga e passei a ter qualidade de vida e tempo para mim”, afirma Diogo, que se prepara para inaugurar o próprio espaço de ioga em 2025.
‘Não existe idade para fazer transição de carreira’
Apesar de a idade trazer mais segurança para tomar decisões, ela ainda é um empecilho quando o assunto é mudança de carreira.
Faria aponta que muitas pessoas têm medo de fazer uma transição na vida profissional por se acharem “velhas demais”, o que, segundo ela, é uma ideia extremamente equivocada.
“Escuto muito entre meus clientes queixas como ‘já passei do tempo’ ou ‘estou muito velho’, sendo que não existe idade para fazer uma transição de carreira, principalmente se pensarmos que as pessoas estão vivendo cada vez mais. A nossa geração vai viver até depois dos 80, o que nos dá tempo suficiente para ter pelo menos duas ou três carreiras ao longo da vida”, destaca.
Além disso, profissionais mais experientes contam com uma vantagem em relação a pessoas mais jovens, as chamadas “soft skills”.
Segundo Stefan Ligocki, especialista no mercado de longevidade, as habilidades e os conhecimentos acumulados ao longo dos anos se tornam um grande diferencial no processo de transição.
Ligocki tem 52 anos e já passou por três transições de carreira
Arquivo pessoal via BBC
“Se você tem mais de 40 anos, você nunca vai começar do zero, porque você tem uma série de soft skills que são extremamente importantes quando se pensa em mudança de carreira. Habilidades como comunicação assertiva, inteligência emocional e resiliência são adquiridas por meio de experiências, e pessoas mais jovens não têm isso tão desenvolvido”, destaca.
Ligocki tem 52 anos e já passou por três transições de carreira. Aos 40 anos, ele perdeu o emprego em uma grande empresa, onde atuava com marketing digital.
Decidiu, então, usar o conhecimento que tinha para empreender e aliou o marketing ao mercado de longevidade.
Hoje, ele tem uma empresa focada em auxiliar pessoas mais velhas a se recolocarem no mercado de trabalho.
“Muitas vezes a transição vem como uma necessidade do profissional mais maduro, que tem dificuldade de se recolocar no mercado. E o primeiro passo nesse processo é superar a ideia de que existe idade para recomeçar”, ressalta.
‘Transformei paixão pelas plantas em um negócio’
Apesar de não existir um momento certo para fazer a transição de carreira, especialistas afirmam que esta decisão precisa ser planejada e bem estruturada.
Alguns fatores, entre eles o financeiro, devem ser levados em conta pelo profissional ao fazer esse movimento de mudança.
“Outro ponto importante é entender o mercado para o qual você vai migrar e buscar qualificação para ter uma transição bem-sucedida”, acrescenta Ligocki.
Foi seguindo esse caminho que Irene Cavalcante, de 53 anos, mudou radicalmente de carreira em 2018, quando transformou o hobby em jardinagem em um grande negócio.
Jornalista de formação, Irene trabalhava há mais de duas décadas se dividindo entre a redação de um jornal e a assessoria política em Brasília. Mas a falta de tempo com a família a levou a repensar na carreira e buscar formas de empreender.
Apesar de sempre ter interesse por plantas, Irene conta que nunca viu aquilo como uma possibilidade de negócio, mas um episódio a fez enxergar uma nova oportunidade.
“Durante uma visita ao meu trabalho, uma consultora belga me deu uma suculenta de presente. Eu nunca tinha visto aquela planta, achei um pouco esquisita e coloquei perto do meu jardim. Um dia de chuva, o vaso caiu e quebrou. Quando fui pegar as pétalas espalhadas no chão, percebi que cada uma delas tinha uma muda. Fiquei fascinada e decidi aprender sobre suculentas”, lembra.
Irene passou a pesquisar sobre diferentes espécies e a cultivar no jardim em casa. No início, ela comprava para consumo próprio. Até que ao navegar em uma página do Facebook sobre suculentas raras, percebeu que havia um mercado promissor.
“Eu vi que quando a página postava fotos de suculentas comuns, que eram mais baratas, muita gente já tinha e não comprava. Mas quando eles postavam a foto de uma espécie que só tinha um ou dois exemplares, centenas de pessoas comentavam que queriam comprar. E eles vendiam aquele exemplar por R$ 1.500”, conta.
Irene decidiu migrar do jornalismo para o cultivo de plantas
Arquivo pessoal via BBC
Irene foi atrás de um engenheiro agrônomo para aprender sobre cultivo de suculentas. Fez um curso, e, com ajuda dele, montou um substrato específico. Passou então a comprar plantas raras, fazer mudas e multiplicar para vender.
“Consegui uma importadora que trazia plantas da Coreia, da China e Holanda e passei a ter suculentas que ninguém tinha. Cheguei a vender uma planta por R$ 3.500. Quando eu percebi que eu tinha domínio do que estava fazendo, e já estava entrando nesse mercado, eu deixei meu emprego”, relata.
Em 2019, Irene pediu demissão e fundou o Café com Plantas e Artes. Para comportar o negócio, transformou uma quadra de volêi que tinha no fundo de casa em uma estufa, onde ela possui mais de 50 mil suculentas de cerca de 1.500 espécies.
Atualmente, Irene trabalha no local com o filho mais novo. Além das vendas, ela dá palestras sobre cultivo de plantas, produz conteúdo para as redes sociais e presta consultoria.
“Durante essa jornada de empreendedorismo, eu aprendi que é importante diversificar, e usei a habilidade que já tinha em comunicação para ampliar meu negócio. Eu transformei minha paixão pelas plantas em um negócio de sucesso e me tornei uma das cinco maiores produtoras de suculentas raras do Brasil”, destaca.
4 dicas para fazer uma transição de carreira bem-sucedida
1. Faça uma auto-avaliação
Antes de partir para a transição de carreira, é ideal avaliar se a insatisfação vem realmente da carreira que você está. Segundo especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, o autoconhecimento é fundamental.
“É importante refletir sobre o cenário que você está, as atividades que faz no dia a dia para ter mais clareza da mudança. Porque às vezes o problema não é com o que você faz, mas com a empresa, os colegas de trabalho, o gestor. E nesse caso, não precisa de uma transição de carreira, uma mudança de emprego já funcionaria”, diz Stefan Ligocki.
Além disso, buscar ajuda de um profissional para fazer um mapeamento de perfil para entender quais são suas prioridades e habilidades pode facilitar no processo de transição.
“Às vezes você é um médico que não quer mais atender em consultório, mas tem outras áreas que você pode atuar, como fazer pesquisa. Não necessariamente precisa fazer outra faculdade, nem experimentar tudo para saber o que não quer”, explica Alessandra de Faria.
2. Tenha planejamento financeiro
Dificilmente um profissional conseguirá fazer uma transição de carreira bem-sucedida sem planejamento financeiro. Por isso, é importante pensar nos gastos e no tempo necessário para fazer a mudança.
Segundo Faria, o ideal é que a pessoa faça a transição enquanto ainda está em outro emprego para criar uma reserva e não se comprometer financeiramente.
“O pior erro que as pessoas podem cometer é decidir mudar de carreira e, de forma impulsiva, pedir demissão. Alguns movimentos de carreira demandam investimento, então ter uma reserva é fundamental”, destaca Faria.
Alessandra de Faria diz ser muito comum que depois dos 35 anos as pessoas questionem o que estão fazendo
Luana Martini via BBC
3. Busque qualificação
Antes de começar uma nova carreira, é fundamental se qualificar e preencher as lacunas que você tem para atuar em um novo mercado.
É importante se perguntar: o que eu preciso fazer para trabalhar nessa área? É um curso de especialização, uma pós? É um estágio em uma empresa grande, ou uma nova faculdade? Com isso em mente, o profissional deve ir atrás de conhecimento e qualificação.
4. Construa uma rede de networking
Em qualquer transição de carreira, é preciso trabalhar o networking não só porque você precisa construir sua reputação, mas porque as pessoas que já atuam naquele setor poderão te ajudar a entender melhor o mercado.
Ligocki recomenda participar de eventos presenciais para se conectar com outros profissionais, além de usar as redes sociais para construir uma rede.
“Mas é importante lembrar que essa rede precisa ser construída e ativada meses antes da transição, não é algo que você vai começar a fazer quando pedir demissão. Networking leva tempo, e precisa ser ativado com frequência. A pessoa vai precisar de 6 meses a 1 ano para fazer esses contatos”, finaliza.
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