Caso Clarinha: Especialistas explicam a importância de registro civil para que pessoas não sejam enterradas como indigentes


Clarinha morreu após complicações de uma broncoaspiração na noite de quinta-feira (14). Corpo segue no Departamento Médico Legal (DML) e possíveis familiares ainda fazem exames. Justiça do Espírito Santo autorizou registro civil da paciente um dia antes da morte. Clarinha ficou em coma em hospital de Vitória por 24 anos
TV Gazeta
Cinco dias após a morte, que aconteceu na quinta-feira (14), o corpo da paciente Clarinha – mulher que ficou internada em coma por 24 anos em um hospital de Vitória – segue no Departamento Médico Legal (DML) aguardando definição sobre os trâmites relacionados ao sepultamento e realização de exames de DNA para possível identificação de parentes.
Para especialistas, a autorização de registro civil que a paciente recebeu um dia antes de morrer exclui a possibilidade dela ser enterrada como indigente.
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O caso da paciente “misteriosa” ganhou repercussão após uma reportagem sobre o caso ser exibida no Fantástico. Clarinha, como era chamada pela equipe médica, foi atropelada no Dia dos Namorados, em 12 de junho de 2000, no Centro de Vitória. A mulher estava internada em estado vegetativo no Hospital da Polícia Militar (HPM), em Vitória. Nenhum parente ou amigo a visitou em todos esses anos.
A vice-presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado do Espírito Santo (Sinoreg-es), Fabiana Aurich, acredita que a autorização judicial para a realização do registro civil, mesmo um dia antes da morte, exclui a possibilidade de Clarinha ser enterrada como indigente. E o caso serve de exemplo para tantas outras pessoas que acabam sendo enterradas sem identificação.
Clarinha ficou 24 anos em coma e sem identificação num hospital em Vitória, Espírito Santo
Arquivo
Para Fabiana, a partir do momento que a Clarinha tiver o registro civil, ela vai ter direito a uma Certidão de Nascimento – ainda que com lacunas, como, por exemplo, no campo de filiação – mas isso já vai garantir o sepultamento com identificação.
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“O registro civil é o que dá direito à cidadania desde o início da vida. É o que garante a existência do indivíduo como cidadão no mundo, do nascimento à continuidade dos atos de cidadania. A partir dele o CPF, RG, Título de Eleitor, Certidão de Casamento, depois de óbito, entre outros. Por isso que o Registro Civil de Nascimento é gratuito, é o básico da existência da pessoa e não é cobrado de ninguém”, esclareceu.
Para a diretora do Sinoreg, o registro civil é o que dá direito à cidadania desde o início da vida. É o que garante a existência do indivíduo como cidadão no mundo, do nascimento à continuidade dos atos de cidadania.
Divulgação/Anoreg-PR
O defensor público e coordenador de Atendimento da Defensoria Pública do Espírito Santo, Vitor Ramalho, tem o mesmo entendimento que a vice-presidente do Sinoreg. Para ele, Clarinha deve ser enterrada com identificação e, inclusive, abre possibilidade que ela tenha outros direitos.
“Não só no caso da Clarinha, mas em todos os outros casos semelhantes, enterrar a pessoa com lápide, identificação e local para velar é uma questão cultural, religiosa, importante, tem a ver com a questão da dignidade, inclusive das pessoas que ficam”, disse.
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Vitor explicou ainda que, na hora em que é feito o registro civil, a pessoa passa a existir para a sociedade.
“Com o registro, a pessoa passa a ter direitos, como direito de sucessão, que não envolve só bens materiais, mas a personalidade jurídica e dignidade da pessoa. Se um filho aparece, por exemplo, e quer ter o nome da mãe, poderá solicitar. Assim como solicitar o retorno do que foi contribuído para o INSS em algum momento da vida. Se identificarem que a pessoa era herdeira, automaticamente, essa herança passa para o filho. São hipóteses remotas e muito específicas, mas existem”.
Morre Clarinha, paciente que ficou internada em coma por 24 anos em Vitória
O defensor público explicou que a primeira coisa que acontece quando alguém não identificado morre no hospital é a busca por algum parente.
“Existem várias formas da autoridades procurarem parentes, através do uso da tecnologia, unidades policiais, hospitais, pessoas em situação de rua, sites de relacionamento, pesquisa de digitais, dentição e bancos de DNA, entre outros. Caso não se encontre ninguém, o próprio estado cuida para que essa pessoa seja encaminhada para autópsia, normalmente o prazo é de 48h. Depois disso, a responsabilidade do enterro é do município, e cada localidade tem a sua regulamentação sobre como e quando o enterro vai ser feito”, explicou.
De acordo com Vitor, nos cemitérios públicos existem “quadras” – áreas para enterrar pessoas que não tem identificação. Entretanto, a administração desses espaços é hoje uma questão a ser resolvida pelas cidades.
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“Quando uma pessoa é enterrada como indigente, depois de três anos em média, o corpo é exumado para dar lugar a outros corpos, não sendo mais possível localizá-lo. Em algumas cidades, como São Paulo, por exemplo, são milhares de corpos nessa situação, e já existe falta de espaço para armazenar as ossadas”, falou.
O g1 perguntou à Prefeitura de Vitória se foi feito contato com o Ministério Público Estadual ou com o coronel Potratz – médico que cuidou da paciente Clarinha durante todos esses anos – para discutir alguma possibilidade do enterro dela em um cemitério público da Capital, mas não houve retorno para o pedido.
Registro tardio
A vice-presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo, Fabiana Aurich, explicou que a solicitação de registro tardio é possível, mas não é muito comum.
“Hoje em dia, existem unidades interligadas de cartório dentro de maternidades, especialmente públicas, que garantem que as crianças já saiam registradas e com CPF. Elas suprem bastante a questão do sub registro. Os poucos casos que surgem são muito específicos, de alguém de um lugar mais isolado no interior, que nasceu de parteira, perdeu o contato com os pais, entre outros”, disse.
O pedido de registro tardio pode ser solicitado por via administrativa ou pedido judicial.
“É preciso que fique comprovado de maneira latente que essa pessoa não foi registrada, que se reúnam os argumentos sobre isso, para não correr risco de se fazer um segundo registro. No caso da Clarinha, mesmo sem o histórico dela, sem familiar que possa responder pela paciente, devido à especificidade da situação, um juiz pode autorizar o registro tardio”, esclareceu Fabiana.
Identificação de desaparecidos
Clarinha ficou internada há 24 anos em hospital e exames mostraram que ela não é a menina que desapareceu no ES em 1976
De acordo com o defensor público Vitor Ramalho, existe no Brasil uma Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas. A Defensoria Pública está na lei como um serviço de cooperação para esse tipo de busca, e pode ser procurada por familiares, para ajudar com informações e encaminhamento de serviços.
Desde agosto de 2023, como parte dessa polícia, funciona no Brasil um serviço vinculado ao Facebook, chamado “Alerta Amber”. “Esse serviço surgiu nos Estados Unidos, após o desaparecimento de uma criança com o mesmo nome que batizou o alerta, e já funciona em alguns estados brasileiros”, informou Vitor.
Página do Alerta Amber em Minas Gerais.
Divulgação/PCMG
A partir do momento que uma família registra o sumiço, o Ministério da Justiça emite um alerta para o Facebook, que manda uma notificação para todos os usuários em um raio de 120km do local do registro de desaparecimento.
“Ceará, Minas Gerais e Distrito Federal já contam com a ferramenta. Só no Ceará, este ano, foram encontradas três crianças sequestradas com ajuda do serviço. É um serviço só para o desaparecimento de crianças, que usa não só a estrutura do poder público, em cooperação de uma empresa privada”, disse.
Além disso, anualmente, existem campanhas nacionais anualmente para coleta de perfil genético de famílias com parentes desaparecidos.
“Familiares podem coletar sangue, DNA, para que, caso apareça algum corpo, seja possível comparar com as amostras no banco, facilitando a identificação de pessoas não identificadas que vem a óbito. Hoje, no Espírito Santo, existem 16 famílias cadastradas nesse banco”.
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Vitor Ramalho reforça duas questões. A primeira é que não existe prazo para ir à delegacia registrar que uma pessoa sumiu. A segunda é que a Defensoria Pública é uma porta para o cidadão, especialmente os mais vulneráveis, buscarem orientação.
“Às vezes, as pessoas não têm condições de fazer o enterro, e não sabem que existem programas do governo, como auxílio-funeral. Se tiver alguns requisitos como inscrição no CadÚnico, a pessoa vai ter direito ao auxílio social. A Defensoria é uma porta de entrada para auxiliar em situações como essas”.
Quem é Clarinha
Possíveis parentes de ‘Clarinha’, se preparam para exame de DNA no Espírito Santo
Reprodução/ TV Gazeta
O caso da paciente “misteriosa” ganhou repercussão após uma reportagem sobre o caso ser exibida no Fantástico. Clarinha, como era chamada pela equipe médica, foi atropelada no Dia dos Namorados, em 12 de junho de 2000, no Centro de Vitória.
O local exato do atropelamento e o veículo que atingiu a mulher nunca foram identificados, segundo a polícia. Ela foi socorrida por uma ambulância, mas não possuía documentos. Clarinha chegou ao hospital já desacordada e sem ser identificada.
A mulher estava internada em estado vegetativo no Hospital da Polícia Militar (HPM), em Vitória. Nenhum parente ou amigo a visitou em todos esses anos.
O MP-ES dividiu as 18 pessoas restantes em dois grupos para a realização dos exames de DNA. No entanto, os resultados mostraram-se incompatíveis para traços familiares.
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